sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A ESPINHA DOBRADA DO PT


EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
21/8/2009

O lulismo deixou o petismo de joelhos. Movido por um projeto inequivocamente pessoal que se desdobra em três etapas - eleger a candidata à sucessão que escolheu em decisão solitária, ser a eminência parda do próximo governo e voltar ao Planalto em 2015 -, o presidente Lula faz o que for preciso e obriga o PT a pagar qualquer preço para que se cumpram as cláusulas desse contrato que celebrou consigo próprio. É a coerência da intoxicação com o poder. Se der certo, há de ter calculado, sairá mais em conta do que a aventura de um terceiro mandato consecutivo. Os eventuais espasmos de má consciência dos companheiros, aos quais serviu o prato pronto da candidatura Dilma Rousseff, com os seus indigestos pertences, são problema deles. Diante da estelar popularidade do chefe e do seu competente manejo do sistema de prêmios e castigos ao alcance da cadeira presidencial, à esmagadora maioria só resta efetivamente adaptar a posição da espinha dorsal às circunstâncias que lhes foram ditadas.

Desse ângulo, a crônica política dos últimos dois meses - quando a crise do Senado assumiu as feições do seu presidente, José Sarney - pode se resumir à constância com que Lula empregou o seu poderio em favor do aliado. Ele partiu da premissa de que a criação de uma imagem palatável da ministra perante o grosso do eleitorado depende das máquinas estaduais do PMDB e do tempo do partido no horário gratuito. Lula também acredita que Sarney é peça insubstituível na montagem da coligação com que conta para fazer da disputa de 2010 um plebiscito sobre o seu governo, promovendo a transferência de votos para Dilma. O resto foi decorrência. Por via das dúvidas, a caciquia peemedebista não hesitou em chantagear o presidente cada vez que a bancada do PT parecia propensa a complicar a vida do senador, ora com um pedido para que se afastasse da direção da Casa, ora com a tentativa de desarquivar pelo menos 1 das 11 denúncias ou representações apresentadas contra ele no Conselho de Ética. E Lula sempre respondeu à altura - por assim dizer.

E, de arrocho em arrocho, obteve na quarta-feira os três votos petistas necessários para livrar Sarney de um processo por quebra de decoro parlamentar. O enquadramento da bancada ficou escancarado com a leitura, em plena reunião do Conselho, de uma nota do presidente petista, Ricardo Berzoini, o interventor de Lula na agremiação, que desqualifica as acusações ao senador como "manipulação hipócrita dos interesses eleitorais" da oposição. Numa reunião do politburo do partido, horas antes, com Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete de Lula, o líder da bancada Aloizio Mercadante, da linha anti-Sarney, se comprometera a ler o texto. Depois, amarelou, deixando a incumbência para o colega João Pedro. Isso foi só uma amostra. Há dias ele vinha falando em renunciar à liderança se a cúpula petista exigisse a submissão dos representantes no Conselho de Ética. Diante do fato consumado, contorceu-se, pateticamente. "A minha vontade, hoje, verdadeira, era sair", entoou. "Meu cargo está totalmente à disposição, só não quero agravar a crise num dia como hoje."

Ontem, enfim, anunciou que renunciaria irrevogavelmente, decisão que, mais tarde, deixou para hoje. De todo modo, o seu comportamento hesitante já havia descontentado os lulistas e os éticos. Um destes últimos, o paranaense Flávio Arns, roubou a cena com uma demonstração - incomum nos tempos que correm - de integridade política e autorrespeito. Ele se declarou "envergonhado" de sua filiação ao PT porque o partido "rasgou a página fundamental de sua constituição, que é a ética", e se move por "bandeiras visando à eleição do ano que vem". A "quebra do ideário" será o seu argumento na Justiça Eleitoral para manter o mandato. Ele não foi o único petista a dizer que perdera as ilusões. Também anteontem - numa data decerto escolhida a dedo - a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva anunciou a sua esperada desfiliação do PT. Provável candidata presidencial pelo Partido Verde (PV), com uma plataforma centrada no desenvolvimento sustentável, ela deplorou a falta de condições políticas para "fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo".

A tática do trator do lulismo fez por merecer o comentário ferino do senador Pedro Simon: "Hoje é o dia em que o PT abraça o Sarney e o Collor, e a Marina sai do partido."

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