sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ELEITORES BRASILEIROS!


Banda Turva


Atuação de Dirceu expõe alianças entre empresas favorecidas pelo governo e grupos de interesse que se aninham no Estado

A CADA ENXADADA, uma minhoca. Natural da cidade de Passa-Quatro, no sul de Minas Gerais, José Dirceu certamente conhece esse dito popular, segundo o qual basta procurar para encontrar.
E minhocas não parecem faltar quando o assunto são os negócios de consultoria a que passou a se dedicar o ex-ministro do governo Lula. Desde que deixou a Casa Civil e teve o mandato de deputado cassado pela Câmara, em 2005, acusado de ser o mentor do mensalão, Dirceu tem se mostrado uma figura equívoca. A militância política e a atividade profissional, os contatos no mundo privado e as incursões pelos porões do poder público se misturam nebulosamente na vida deste personagem anfíbio.
O próprio Dirceu, vale dizer, alimenta uma certa mitologia em torno de seu personagem, sem que se saiba quanto disso é lobby de si próprio e quanto corresponde à influência que ainda exerceria sobre setores do Estado e da máquina petista.
Em 2007, numa longa entrevista à revista "Playboy", a certa altura ele explicava seu trabalho nos seguintes termos: "No fundo, o que eu faço é isso: analiso a situação, aconselho. Se eu fizesse lobby, o presidente saberia no outro dia. Porque, no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas. E eu procuro trabalhar mais com empresas privadas do que com empresas que têm relações com o governo".
Primeiro, há esses telefonemas com exclamação, que mais mereceriam pontos de interrogação. Segundo, há o fato incontestável de que Dirceu trabalha, sim, com empresas que têm relações com o governo. Como revelou esta Folha, é o caso da consultoria que prestou ao empresário Nelson Santos entre 2007 e 2009, pela qual recebeu R$ 620 mil.
Dono de uma "offshore" num paraíso fiscal, Santos adquiriu em 2005, por R$ 1, uma participação na Eletronet, empresa em processo de falência que o governo Lula planeja recuperar para usar seu principal ativo -uma rede de 16 mil km de fibras óticas- na oferta de internet a 68% dos domicílios até 2014.
É no mínimo uma coincidência sugestiva o fato de que a massa falimentar da Eletronet tenha sido convertida em ouro pelo governo meses depois da contratação de Dirceu por Santos.
Qualquer que seja o desfecho dessa história, ela constitui o mais recente capítulo do que se tem procurado ocultar sob a retórica do "Estado forte" lulo-petista: a aliança entre empresas privadas favorecidas pelo poder e grupos de interesse aninhados no Estado e no partido.
A operação de compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, que demandou mudanças importantes na legislação e contou com forte injeção de dinheiro do Banco do Brasil e do BNDES, é um exemplo acabado do neopatrimonialismo em curso no país.
Com seu maquiavelismo de almanaque, Dirceu apenas mostra de maneira mais didática o que se tornou diretriz de governo.



Editorial

Folha de São Paulo

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

João Hélio e os Direitos Humanos


Há três anos o menino João Hélio entrava no carro dos seus pais sem saber que a sua breve vida de sete anos seria brutalmente, sangrentamente, criminosamente interrompida por cinco rapazes, entre os quais estava um adolescente de 16 anos.

Essa criança transformou-se num "mártir-mirim da vida" - assim o chamei num artigo que escrevi em forma de carta aberta dirigida a ela e publicado pelo jornal O Globo -, tamanha foi a reação de indignação e de comoção popular diante do modo como ela foi assassinada.

Infelizmente, hoje temos ecos dessa reação popular ao ler nos jornais a notícia de que a organização não-governamental (ONG) Projeto Legal quer mudar o rosto de um delinquente juvenil, réu do crime cometido contra esse pequeno mártir, para o rosto de uma vítima ameaçada de morte e, portanto, com o direito de ser incluída num Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente, podendo viajar para um Estado ou país diferente e assim viver mais seguro.

Mesmo com a imediata intervenção do Ministério Público pedindo a anulação desse ato impetrado pela referida ONG, mesmo com o acerto da decisão judicial de libertação desse delinquente, uma vez que ele cumpriu o prazo-limite de três anos de afastamento da sociedade, várias questões merecem ser consideradas diante do reaparecimento de menino João Hélio na mídia nacional.

Primeira questão: será que a ONG Projeto Legal tem o direito de aumentar a dor dos pais, favorecendo um rapaz que ainda é incapaz de viver em sociedade de forma civilizada, quando se sabe que na sua curta permanência na prisão cometeu mais três crimes, um dos quais foi a tentativa de homicídio de um agente de disciplina, usando tiras de pano e cordas?

Segunda questão: será que os direitos humanos fundamentais, no Brasil, não estarão sendo manipulados por certos grupos de pessoas, que acabam colocando-os num nível de igualdade com outros "direitos" criados e claramente contrários à dignidade da pessoa humana e ao bem comum da sociedade?

Terceira questão: será que não existe mais, na atual civilização, o direito de memória, que exige o dever de respeitar o sofrimento gravado a fogo na mente e no coração dos pais e dos familiares, dos amigos e dos concidadãos de João Hélio, pois no interior de toda essa gente nunca se apagarão as imagens da atrocidade cometida contra essa criança, e a infeliz iniciativa desse tipo só faz pisotear este direito humano?

Quarta questão: será que o nosso mundo, que se vangloria de ser pós-moderno, de ter progredido tanto nos costumes e na ciência, de ter avançado na defesa dos direitos humanos, tem ainda uma reserva de mentes claras e imunes a ideologias camufladas, capaz de falar dos reais direitos humanos e mais capaz ainda de proclamá-los corajosamente, até que o povo brasileiro se convença de que não precisa mais de ONGs que se vão instalando no nosso país somente para conturbar a ordem social e destruir valores culturais e religiosos indiscutíveis?

Queremos que o caso de João Hélio não seja mais um para preencher páginas dos meios de comunicação e tampouco que a sua pura figura de chorosa memória sirva para promoção de algumas entidades interessadas não sabemos em quê. Queremos, sim, que esse "mártir-mirim da vida" desperte a reserva de inteligências esclarecidas, crie ações de famílias preocupadas com a segurança e a paz dos seus membros, a fim de que haja na cultura brasileira uma valorização mais enfática da dignidade humana, que é a raiz profunda dos direitos humanos e o alicerce firme de um mundo mais fraterno e justo.

Nesse sentido, a Igreja Católica no Brasil resiste a ser empurrada para dentro das sacristias e, sempre que houver no País um ou vários atentados contra os direitos fundamentais da pessoa humana, ela terá a coragem de proclamá-los, defendê-los e promover debates purificados de ideologias impregnadas de ateísmo e relativismo.

Os direitos fundamentais que governam as relações sociais, tais como a inviolabilidade da vida humana, o respeito à natureza, a liberdade de imprensa, a informação objetiva na mídia, a propriedade privada, a liberdade religiosa, a educação das crianças e dos jovens isenta de ideologias desconstrutivas da pessoa humana, a verdadeira natureza e identidade do matrimônio e da família, a segurança pública, a saúde integral, o voto sem preço, etc., para citar alguns dos direitos humanos mencionados na encíclica Pacem in Terris, escrita em 1963, pelo beato papa João XXIII, são anteriores ao Estado, são próprios da natureza humana e, principalmente, são originários do próprio Deus.

Nem Estados, nem grupos de Estado, nem autoridades governamentais, nem integrantes de organismos não-governamentais, nem planos nacionais, nem pretensas nações planejadores do mundo têm o direito de impingir aos cidadãos de um país certas propostas que maculam e lesam a dignidade da pessoa humana, mesmo que utilizem a expressão "direitos humanos", sem afirmar quais a sua raiz e a fonte verdadeiras e originais.

João Hélio, eu lhe dizia há três anos que você seria a semente de um Brasil onde as crianças teriam respeito, consideração e muito amor desde o princípio de sua vida e, hoje, tenho de lhe pedir perdão, porque nós, os adultos, não soubemos, ou melhor dizendo, não quisemos regar essa semente neste intervalo de tempo e ela é minúscula, mas lhe prometemos que a sua vida e morte acabará germinando e produzirá os frutos de que o Brasil necessita.

Dom Antonio Augusto Dias Duarte, médico pela Universidade de São Paulo é bispo-auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro



Estadão

MST e suas terras


Sabem quantos hectares já foram destinados a assentamentos de “sem-terra” no Brasil nos governos Lula e FHC? 80 milhões! Trata-se de dado incontestável, técnico. Sabem quantos são destinados, no Brasil inteiro, à produção de grãos? 65 milhões.

Vocês entenderam direito. Há mais terras, hoje, sob os “cuidados” do MST no Brasil do que destinadas à produção de alimentos em larga escala. O que se planta naqueles 80 milhões? Ninguém sabe direito. Ou se sabe: mistificação, ideologia, leninismo caboclo. Nos outros, nada menos de 141 milhões de toneladas de comida! Deu pra entender?

O agronegócio brasileiro tem sido o ÚNICO setor superavitário da economia brasileira há muitos anos. É o responsável pelos US$ 240 bilhões de reservas de que Lula se orgulha tanto, como se fossem obra sua. Não obstante, o setor rural vive cercado pelo banditismo ideológico, pelo preconceito de certa imprensa que imagina que comida barata nasça no Carrefour e no Pão-de-Açúcar e, obviamente, pelo amarelão mental que separa o Brasil entre as “vítimas pobrezinhas” do MST e os “tubarões do agronegócio”.

Pois bem. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) escreve hoje um artigo na Folha intitulado “A banalização das invasões”. Merece ser lido e mantido sempre à mão. Dá conta da realidade do campo e de certa loucura metódica que toma conta do país. Os nossos esquerdistas sempre tão dedicados ao estudo da “produção social da riqueza”, acreditam, por alguma razão, que O SETOR QUE GARANTE A ESTABILIDADE DA ECONOMIA não produz “riqueza social”. A comida mais barata do mundo — a brasileira!!! — parece ser obra de algum milagre, uma espécie de maná com que nos presenteia o Altíssimo, ou mesmo Lula, nem tão altíssimo assim.

O crime organizado que hoje cerca o campo é tratado como “movimento social”, e os produtores rurais, na imprensa, aparecem, muitas vezes, no papel de criminosos. TRATA-SE DE UM DELÍRIO MUITO TÍPICO DO ESQUERDISMO BOCÓ. As esquerdas são craques em transformar seus crimes em virtudes, e as virtudes alheias em crimes. Kátia Abreu, também presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), incomoda muito. Em vez da simples estridência do protesto, ela tem o mau gosto (para a militância obscurantista) de lidar com números. Segue o seu artigo, com um pequeno comentário meu ao fim de tudo.

*
O GIGANTESCO acampamento de 5.000 militantes do MST diante de 70 propriedades em São Paulo, seis das quais tomadas de assalto, invadidas com violência e depredações, no “Carnaval vermelho”, seria um escândalo em qualquer lugar do mundo, mesmo em regiões conflagradas por guerras ou revoluções. No Brasil atual, porém, fatos dessa natureza estão se tornando rotina. Como no famoso título de Durrenmatt, “seria cômico se não fosse sério”. Além de ser desmoralizante para uma nação democrática, pois as invasões violam o Código Civil -que protege expressamente o direito de propriedade de qualquer ameaça ou violência (artigo 1.210)-, é uma extravagante demonstração de desrespeito à Constituição e à própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Neste governo, temos média anual de 248 invasões, contra 166 no anterior. São números preocupantes. Demonstram que o país tem níveis democráticos absolutamente imaturos e, em muitas vezes, até inexistentes quanto ao direito de propriedade e à segurança jurídica no campo.

Para ampliar o poder da esquerda radical sobre órgãos federais e verbas públicas, grupos armados que investem na tese do conflito permanente tentando mudar à força o sistema de governo invadem cada vez mais. Esse mecanismo violento, ilegal e inquietante das invasões de propriedades produtivas atinge um segmento vital para o Brasil, já que a agropecuária responde por um terço dos empregos do país e pelo superavit de US$ 23 bilhões da balança comercial.

Não é possível supor que a violência do MST tenha se tornado rotina, que possa ser absorvida sem indignação na conta nebulosa de tolerância que se concede aos chamados “movimentos sociais”, que misturam organizações realmente empenhadas na meritória defesa de direitos civis com maquinações radicais, anacrônicas, marginais e, principalmente, corruptas.

Aliás, assim como a notícia do “Carnaval vermelho” escapou dos registros indignados, proporcionais à sua gravidade, também passou discretamente pelo noticiário a informação a respeito das 43 entidades ditas “privadas e sem fins lucrativos” de Santa Catarina que receberam R$ 11 milhões de recursos federais. Não por mera coincidência, essas entidades estavam sob o comando de notórios dirigentes de invasões de terras.

O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou o “aprofundamento” das análises de convênios firmados entre o Incra (órgão federal controlado pelo MST) e a Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina, que é ligada ao mesmo MST. A Comissão Parlamentar de Inquérito criada para apurar se grupos armados que invadem terras recebem recursos públicos certamente vai fornecer mais dados sobre essa e outras distorções. Esses grupos de ativistas políticos radicais não têm compromisso com a reforma agrária. Se tivessem, em vez de desordem, aplicariam na melhoria dos assentamentos o dinheiro público que recebem. Nesses locais, inúmeras famílias vivem em situação extremamente precária, algumas em condições de extrema pobreza, conforme constatação de pesquisa Ibope.

Ao contrário das afirmações dos líderes desses grupos armados, a sociedade brasileira segue investindo no programa de reforma agrária. Juntos, os dois últimos governos (FHC e Lula) garantiram 80 milhões de hectares de terras para assentamentos. Só para fins de comparação: a área de produção de grãos do país ocupa, no total, 65 milhões de hectares e registra produção de 141 milhões de toneladas.

Esses investimentos poderiam ser maiores? Não sei. O que sei é que temos enormes deficits em todo o campo social. Nossas deficiências em saúde pública, em educação fundamental e moradia são conhecidas. Não contamos com serviços mínimos de segurança, como se a segurança não fosse a primeira condição para vivermos em liberdade. Há inúmeras demandas pressionando as estruturas do Estado, mas os recursos, infelizmente, são parcos e não dá para aumentar a já exorbitante carga de tributos.

Essa é a realidade do país que estamos enfrentando, no campo, com trabalho duro e muita esperança. Temos enorme paciência com as idas e vindas do tempo. Estamos acostumados às intempéries. O que não podemos mais tolerar são os retrocessos no Estado de Direito e a leniência de algumas das principais autoridades do país com o crime.

Invasão de terra é crime. E só países que aplicam a lei e a Justiça contra o crime avançam e melhoram, efetivamente, a vida de todos. O presidente da República não deveria mais se calar a respeito desse assunto. Antes que o MST ouse promover, como já está anunciado, o “abril vermelho”, o presidente da República deveria dizer uma palavra aos produtores de alimentos do país e a todos os brasileiros sobre a violência das invasões de terra. Quem cala consente. Com a palavra, o exmo. sr. presidente.

*
Encerro
Vamos lá, com a clareza habitual. Muitos perguntam neste blog e em toda parte: “Ela não seria uma ótima candidata a vice-presidente?” Eu acho que seria, claro! Por enquanto, entendem?

E vamos ver quanto tempo vai demorar para que mobilizem contra ela a máquina de enlamear reputações. A mesma lavanderia que transforma antigos “inimigos do povo” em flores do progressismo — a exemplo do que o PT faz com José Sarney ou Delfim Netto — também se mobiliza para sujar biografias. E a máquina é poderosa, com ramificações na Polícia Federal, no Ministério Público, no Legislativo, no Judiciário e, SEM DÚVIDA NENHUMA, na imprensa.

Na semana passada, um aiatolá do PT, Dalmo Dallari, já saiu atirando contra Kátia Abreu. Ele considera um absurdo que ela seja senadora e presidente da CNA. Mas acha muito normal que o governo Lula seja, na prática, conduzido pelos sindicalistas da CUT e que o Incra seja um aparelho do MST. Entenderam a lógica do gigante?

A luta é longa e renhida.




Reinaldo Azevedo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Rede faz a diferença


click na imagem para visualizar melhor o gráfico.

Este gráfico mostra que nas últuimas 48 horas, deste o Link com o BLOGS PELA DEMOCRACIA, mais pessoas vieram a este espaço (130, quando a média é de 58 diários...)
Viva Nossa Rede!
Viva o Estado Democrático de Direito.

URIBE X CHAVEZ


"Seja homem! Estas questões devem ser discutidas nestes fóruns. Você é muito corajoso para falar as coisas à distância, mas um covarde quando é para falar as coisas na cara".


Álvaro Uribe, presidente da Colômbia.


cúpula de países da América Latina e do Caribe, no México

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

BLOGS PELA DEMOCRACIA


NOSSA REDE



BLOGS PELA DEMOCRACIA

domingo, 21 de fevereiro de 2010

CHEGOU A HORA DE DIZER CLARAMENTE, CAROS LEITORES: “BASTA!!!” COMECEM UMA CORRENTE OU CHEGARÁ A VEZ DE VOCÊS!


Caras e caros, este post é muito importante. Ela trata de uma encruzilhada. Ou o Brasil segue o caminho do estado de direito ou o do arbítrio. Vamos entender como se fazem, hoje, no Brasil, salsichas, justiça e jornalismo. E peço aos bambas que passem este texto adiante. Chegou a hora de botar a boca no trombone. Chegou a hora de mobilizar a rede. Chegou a hora de dizer com clareza: “BASTA!!!”

Nos sites, está lá estampado: “Justiça Eleitoral cassa mandato de Kassab”. Esse troço é um escândalo, sim, mas é um escândalo PROTAGONIZADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL DE SÃO PAULO CONTRA KASSAB!!! O PREFEITO DE SÃO PAULO É VÍTIMA DE UMA ARBITRARIEDADE.

Quando dizem que o avanço das esquerdas e do “militantismo” no Brasil é irrelevante porque, afinal, na economia, tudo segue mais ou menos dentro dos padrões da economia de mercado, costumo reagir: “Não é assim! Tal avanço não é irrelevante! A democracia brasileira está sendo tutelada”. Escrevi a respeito na madrugada. Leia o post anterior quem não o fez. Como é que se chegou a essa “cassação” em primeira instância, cabendo, obviamente, recurso?

Qual é o fato da hora? Recorro ao primeiro parágrafo de um texto do Estadão. Leiam com atenção:
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e a vice, Alda Marco Antonio (PMDB), tiveram o mandato cassado pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral, Aloísio Sérgio Resende Silveira, por recebimento de doações consideradas ilegais na campanha de 2008. A decisão, em primeira instância, torna Kassab o primeiro prefeito da capital cassado no exercício do mandato desde a redemocratização, em 1985. Como o recurso tem efeito suspensivo imediato, os dois podem recorrer da sentença sem ter de deixar os cargos.

Decisão surpreendente? Uma ova! Já estava tomada. No dia 3 deste mês, fiz um vermelho-e-azul com uma reportagem da Folha que já tratava desse assunto. Ali, como se verá, a decisão do Juiz Aloisio Sérgio Resende Silveira é praticamente antecipada. Porque também vivemos hoje dias assim: DECISÕES DE JUÍZES COSTUMAM SAIR ANTES NA IMPRENSA. Vou reproduzir aquele meu vermelho-e-azul porque ele explica o caso em detalhes. Leiam com atenção:
*
Um parecer técnico contábil da Justiça Eleitoral de São Paulo indica que 33% do total arrecadado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), na campanha eleitoral de 2008 teve origem em fontes de doações consideradas ilegais pelo Ministério Público Eleitoral.
O laudo, concluído em outubro e obtido pela Folha, indica o risco de que Kassab seja condenado em primeira instância à perda do cargo. Em casos semelhantes, o juiz Aloísio Silveira, responsável pela ação, cassou o mandato de 16 vereadores da capital. Ele tem adotado como critério para condenar à perda de mandato contas de campanha que apresentem mais de 20% dos recursos provenientes de fontes vedadas.
A execução de sentença contra os vereadores foi suspensa até que os recursos deles sejam julgados em 2ª instância pela Justiça Eleitoral de São Paulo.
Várias coisas:
1 – O “parecer técnico”, vocês verão, não é exatamente da “Justiça Eleitoral”, mas de UMA SÓ PESSOA;
2 – o laudo não pode indicar “o risco de Kassab ser cassado”; ele pode, no máximo, apontar irregularidades; se for além disso, não é laudo técnico, mas proselitismo político;
3 – Se o juiz cassou 16 vereadores, então os vereadores foram cassados. É uma questão gramatical. Como estão na ativa, não foram cassados. NINGUÉM É CASSADO ENQUANTO HOUVER RECURSO DISPONÍVEL. Ou um único juiz seria o dono da democracia.
A cereja do bolo está longe ainda. Cuido, por enquanto, da inadequação da linguagem e de vieses sub-reptícios. Adiante.

Em maio do ano passado, o promotor eleitoral da capital Maurício Antonio Lopes apresentou à Justiça representações para promover a revisão e a rejeição das contas dos candidatos Kassab, Marta Suplicy (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) e de vereadores eleitos. Pareceres semelhantes foram elaborados em setembro passado para as representações contra Marta e Alckmin. O laudo relativo à petista indica que ela teria recebido R$ 3,8 milhões de fontes apontadas como ilegais pela Promotoria. O levantamento sobre as contas de Alckmin aponta o recebimento de R$ 2,1 milhões de doadores impedidos pela legislação segundo os critérios da promotoria. Nos dois casos os valores não ultrapassam os 20% de doações de fontes vedadas, usados como critério de condenação pelo juiz Silveira.
Certo! Isso indicaria, então, que não há nada de, digamos, partidário na ação — já que todos foram, vá lá, investigados. Aqui há um erro ou de lógica ou de moral elementar: se todos são igualmente alvos de uma ação, então não há arbítrio. E EU VOU DEMONSTRAR QUE HÁ. Sigamos.

Na representação contra o prefeito, o promotor indicou três tipos de fontes de doação que seriam ilegais. A primeira é a AIB (Associação Imobiliária Brasileira), entidade que, segundo Lopes, funcionou como fachada do Secovi (sindicato do setor imobiliário) para fazer doações a políticos. Pela legislação, as entidades sindicais não podem fazer contribuições eleitorais. O Secovi nega qualquer vínculo com as doações.
As coisa começaram a se complicar. Tudo não passa de uma acusação de… Lopes! Reparem no “seriam ilegais”…

O parecer da Justiça Eleitoral aponta que, segundo os critérios do Ministério Público paulista, a AIB doou ilegalmente R$ 2,7 milhões para Kassab. Para a Promotoria, também foram fontes ilegais de recursos construtoras que são acionistas de concessionárias de serviços públicos. A lei proíbe as concessionárias de realizarem contribuições para as campanhas. De acordo com o promotor, as empresas “não são diretamente concessionárias de serviços públicos, mas apenas integrantes, acionistas, investidoras, associadas em consórcio ou sob a forma de holding ou conglomerado econômico que, em derradeira análise, seriam os concessionários diretos”.
São apontadas na representação as empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Serveng Silvisan, CR Almeida, Carioca Christiani Nielsen, S.A. Paulista e Engeform. O levantamento da Justiça Eleitoral conclui que o total das doações dessas companhias foi de R$ 6,8 milhões.

Bem, se as empresas “não são diretamente concessionárias de serviços públicos”, o resto não passa de ilação. Atenção: LOPES ESTÁ INVENTANDO UMA LEI. Será que Oi e a Brasil Telecom não poderão fazer doações legais, por exemplo, à candidatura de Dilma porque um de seus sócios é dono da Andrade Gutierrez, que toca um monte de obras públicas? Também não poderiam doar para Serra porque a empreiteira integra consórcios que tocam obras em São Paulo? Restaria colaborar com Marina Silva e com o candidato do PSOL…

Outro doador considerado ilegal pelo promotor foi o Banco Itaú S.A. De acordo com a representação, ele não poderia fazer contribuições ao então candidato Kassab porque a Prefeitura de São Paulo efetua pagamentos para parte dos funcionários pelo banco. Em 2008, a instituição financeira doou R$ 550 mil para a campanha do atual prefeito, segundo o laudo da Justiça.
Aí já estamos no terreno do mais escancarado absurdo mesmo! Todas as administrações públicas do país “vendem” a folha de pagamentos para bancos. AGORA VEM O MELHOR.

O critério adotado pelo juiz Aloísio Silveira para condenar os vereadores de São Paulo e que pode levar à cassação do prefeito Gilberto Kassab é subjetivo e não encontra precedentes na jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
ENTENDERAM? TEMOS UM JUIZ QUE ACHA QUE PODE CASSAR VEREADORES E, ESPECULA A FOLHA, ATÉ O PREFEITO COM BASE EM CRITÉRIOS SUBJETIVOS, “que não encontra precedentes na jurisprudência do TSE”. É UM JEITO ENROLADO DE DIZER QUE O JUIZ ALOISIO SILVEIRA ESTÁ INVENTANDO UMA LEI QUE NÃO EXISTE. É O “DOIS EM UM”: LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO NUM HOMEM SÓ.

Em relação ao tema das construtoras acionistas de concessionárias, o magistrado baseou-se em um voto vencido do ministro Cezar Peluso no TSE para condenar um vereador que recebeu de uma empreiteira que integra uma empresa concessionária.
DE NOVO: BASEOU-SE EM UM VOTO VENCIDO, QUE FOI REJEITADO PELOS OUTROS JUÍZES. Viram? Jurisprudência, no Brasil, se faz com votos vencidos, não com votos vencedores. É UMA REVOLUÇÃO!!!

O juiz Silveira estabeleceu nos casos dos legisladores paulistanos que aqueles que tiveram mais de 20% de suas doações originadas em fontes ilegais devem perder o mandato. Nos casos que já passaram pelo TSE, não há indicação de valores ou percentuais para a definição das punições. Os julgamentos indicam que em cada situação os magistrados devem aferir se o montante de contribuições irregulares pode ter afetado potencialmente os resultados das eleições.
O texto não poderia ser mais claro. E se ele decidir, sei lá, 5% em vez de 20%? E se decidisse que poderia ser 40%? É o auge do arbítrio! O promotor determina quando as doações estão ou não dentro da lei. IGNORANDO A DECISÃO DO TSE. E o juiz arbitra a porcentagem. SEM LEI!

Nos processos de vereadores em que o percentual não foi ultrapassado e os legisladores foram absolvidos, o Ministério Público Eleitoral recorreu, alegando que o índice aceitável seria de até 5%.
Por que 5%? Porque eles querem.

Para o ex-presidente do TSE e advogado Carlos Velloso, o padrão fixado pelo juiz foi benevolente. De acordo com Velloso, “já que qualquer doação vedada, em qualquer percentual, impõe a penalidade, então a fixação em termos da potencialidade da doação vedada deve ficar em percentual bem menor que 20%”.
Sobre as doações de concessionárias, a maioria dos ministros do TSE julgou, no caso da prestação de contas do presidente Lula, em 2006, que as acionistas de concessionárias não estão impedidas de doar.
ATENÇÃO!!! OS CRITÉRIOS QUE FAZEM A FOLHA AFIRMAR QUE 33% DAS DOAÇÕES A KASSAB FORAM ILEGAIS FORAM REJEITADOS PELO TSE, QUE DECIDIU QUE ACIONISTAS DE CONCESSIONÁRIAS NÃO ESTÃO IMPEDIDAS DE DOAR.

Voltei
Se a decisão do tal juiz vier a prevalecer, está extinta a segurança jurídica no Brasil. Acabou!!! Se, na Justiça Eleitoral, um juiz pode, literalmente, INVENTAR CRITÉRIOS e “cassar” mandatos contra a decisão de um tribunal superior para caso idêntico, então a vaca realmente já foi para o brejo.

Parece-me evidente que a decisão será revista. Afinal, reparem:
1 – o juiz inventou um percentual que não pode ser ultrapassado;
2 – mesmo para atingir o percentual por ele inventado, o que justificaria a cassação, ele precisa recorrer a doações que SÃO CONSIDERADAS LEGAIS PELO TRIBUINAL SUPERIOR ELEITORAL, O QUE CARACTERIZA UMA DUPLA ARBITRARIEDADE.
3 – isso faz crer que essa sentença será mudada numa instância superior.

Isso é irrelevante?
É claro que não é! A decisão sai num momento em que a imprensa não se farta de falar de “mensalão do DEM” pra cá e pra lá, embora os mensaleiros tenham deixado o partido porque seriam expulsos. Do modo como as coisas são noticiadas, fica parecendo que o escândalo de Brasília se estende também a São Paulo. Enquanto isso, os mensaleiros do PT celebram a sua festa no Congresso do partido, e seu presidente enche a boca para afirmar que aquela penca de provas que há contra o partido não passa de… “golpismo”. Na sua coluna de hoje, o CEEG (Centro Espírita Elio Gaspari) prevê o fim do DEM.

Assim se está construindo a “moderna democracia” brasileira. Diante de uma óbvia arbitrariedade cometida contra um prefeito que não foi “adotado” pelos “bem-pensantes”, todos, imprensa inclusive, se calam! OU NÃO SE CALAM: PARTE DO JORNALISMO, COMO SE NOTA, ATUA COMO PORTA-VOZ DO ARBÍTRIO, ANTECIPANDO SUAS DECISÕES E LHE SERVINDO DE ASSESSORIA DE IMPRENSA.

Aí não adianta reclamar. Neste exato momento, o Estadão, por exemplo, ainda está sob censura. UMA CENSURA QUE NÃO DECORRE DA LEI — a Constituição é claríssima ao proibir a censura prévia —, MAS DO ARBÍTRIO DE JUÍZES que, a exemplo do dr. Aloisio Silveira, expedem sentenças segundo “critérios subjetivos”.

Deixe o jornalismo que tal prática prospere sem protestos, e é óbvio que ele próprio será o alvo — aliás, o caso do Estadão demonstra que já começou a ser.

Certos cretinos no Brasil imaginam que a punição de “adversários ideológicos”, reais ou imaginários, com ou sem motivos, exerce um papel saneador na sociedade. “Afinal, se são meus adversários, então boa coisa não são”. Escapa-lhes a obviedade de que, aberta a porta do arbítrio e da subjetividade numa sentença judicial, ninguém mais estará seguro.

Se não tenho mais a lei a estabelecer parâmetros sobre o que pode e o que não pode, então já não sou mais um indivíduo, já não sou mais um ser autônomo: minha liberdade depende daquele que, ocupando uma função no estado, decide, segundo seu próprio arbítrio o que me é ou não permitido fazer. Assim é nas tiranias; assim é nos regimes totalitários.

OAB, cadê você?
Em tempos idos, diante de uma arbitrariedade como essa, a Ordem dos Advogados do Brasil reagiria de pronto. Agora não reage mais. O sucessor do dr. Cézar Britto (aquele medalhão da advocacia que se diz “socialista”), cujo nome ainda não tive motivos para decorar, dá pinta na televisão todos os dias, com seu ar severo e cabelinho esticado com algum sucedâneo da brilhantina. Quero saber o que vai por debaixo deles. Até agora, só o ouvi falar do exercício do direito segundo a “opinião pública”, segundo “a vontade das ruas”.

Se cabe ao direito cumprir a vontade do que dizem por aí, então se suspendam as leis e se façam tribunais públicos, com um linchamento no fim, para coroar o arbítrio popular com a catarse. À OAB, que eu saiba, cumpre zelar pela lei.

Quanto a Kassab, que estude com seus advogados uma forma de reparação pelo agravo de que está sendo vítima. Não é possível que autoridades do Ministério Público e do Judiciário desmoralizem uma figura pública, com base no puro arbítrio, sem que o alvo da ação possa reagir no terreno das leis e do direito. E, se isso é possível, então algo tem de ser feto no Legislativo.

Não dá mais, leitores! Eu estaria fazendo esta mesma defesa ainda que Kassab pertencesse ao PT. Há quem não acredite nisso? Dane-se! Mas tenho a impressão de que, pertencesse ele ao PT, teria, no mínimo, o benefício da lei. Como digo em Máximas de Um País Mínimo, as coisas no Brasil caminham assim:
“Aos amigos tudo, menos a lei; aos inimigos, nada, nem a lei”.




Reinaldo Azevedo

A Comissão da Calúnia





Deputado Jair Bolsonaro

Lula e o DEM


"Aqueles que queriam acabar com a nossa raça, hoje estão se acabando".



Esta frase foi dita por Lula, um dia antes, no Congresso do PT, referindo-se ao DEM, à expressão "vamos acabar com esta raça" utilizada por Jorge Bornhausen, ex-senador e ex-presidente da legenda. Ao final do dia, em pleno sábado, a Justiça Eleitoral anunciava que o mandato de Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, estava cassado. Ele sabia. Se alguém tem dúvida que a Justiça Eleitoral está aparelhada, não precisa mais ter. Este é o Estado Forte do Lula e da Dilma. Um estado onde o povo e a democracia são fracos. Um estado chavista e bolivariano, onde juízes indicados cumprem o seu papel.




Coronel

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A ética e a economia da propriedade privada


I. O problema da ordem social

Sozinho em sua ilha, Robinson Crusoé pode fazer o que bem quiser. Para ele, o problema relativo às regras que norteiam uma conduta humana ordeira - isto é, a cooperação social - simplesmente não existe. Naturalmente, esse problema só passará a existir quando uma segunda pessoa, Sexta-Feira, surgir na ilha. Entretanto, ainda assim, esse problema vai continuar irrelevante enquanto não houver algum tipo de escassez. Suponha que a ilha seja o Jardim do Éden; todos os bens externos estão disponíveis em superabundância. Eles são chamados de "bens não escassos" ou "bens abundantes", da mesma forma que o ar que respiramos é um bem "não escasso". O que quer que Crusoé faça com esses bens, suas ações não terão quaisquer repercussões em relação à oferta presente e futura desses bens tanto para ele próprio quanto para Sexta-Feira (e vice versa). Assim, é impossível que algum dia possa haver um conflito entre Crusoé e Sexta-Feira concernente ao uso desses bens. Um conflito só é possível se os bens forem escassos. Somente nesse cenário é que surgirá a necessidade de se formular regras que tornem possível uma cooperação social ordeira - ou seja, livre de conflitos.

No Jardim do Éden, existem apenas dois bens escassos: o corpo físico de uma pessoa e o espaço que ele ocupa estando de pé. Crusoé e Sexta-Feira têm apenas um corpo cada um e só podem ocupar um lugar de cada vez. Assim sendo, até mesmo no Jardim do Éden podem surgir conflitos entre Crusoé e Sexta-Feira: ambos não podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço sem que isso leve a um conflito físico entre eles. Consequentemente, mesmo no Jardim do Éden, devem existir regras que determinem uma conduta social ordeira - regras relativas à localização e movimentação adequada dos corpos humanos. E fora do Jardim do Éden - ou seja, um local onde há escassez - devem existir regras que regulem não apenas o uso dos corpos, mas também o uso de tudo que é escasso, de forma que todos os possíveis conflitos possam ser evitados. Esse é o problema da ordem social.

II. A solução: propriedade privada e apropriação original

Na história do pensamento político e social, várias propostas já foram defendidas como solução para o problema da ordem social, e essa variedade de propostas mutuamente inconsistentes contribuiu para fazer com que a busca por uma única e "correta" solução fosse frequentemente considerada ilusória. Entretanto, como tentarei demonstrar, existe uma solução correta; logo, não há motivos para sucumbir ao relativismo moral. A solução já é conhecida há centenas de anos, se não mais. Em épocas modernas, essa velha e simples solução foi formulada mais clara e convincentemente por Murray N. Rothbard.[1]

Deixe-me começar formulando primeiro a solução - começando pelo caso especial representado pelo Jardim do Éden, e depois tratando do caso geral representado pelo mundo "real", onde a escassez está por todos os cantos - e então explicando por que essa solução, e mais nenhuma outra, é a correta.

No Jardim do Éden, a solução é fornecida por uma regra simples: qualquer um pode posicionar ou mover seu próprio corpo onde e para onde bem quiser, desde que ninguém mais esteja posicionado ali e ocupando o mesmo espaço. Já fora do Jardim do Éden, ou seja, no âmbito da escassez geral, a solução é fornecida pela seguinte regra: cada um é dono de seu próprio corpo físico, bem como de todos os lugares e bens da natureza que ele ocupe e coloque em uso através de seu corpo, desde que ninguém mais tenha ocupado ou utilizado esses mesmos bens e lugares antes dele. Essa propriedade sobre bens e lugares "apropriados originalmente" por uma pessoa implica em seu direito de utilizar e transformar esses bens e locais da maneira que mais lhe aprouver, desde que ela, com isso, não altere forçosamente a integridade física dos bens e lugares originalmente apropriados por outra pessoa. Em particular, uma vez que um bem ou um local foi apropriado originalmente por uma pessoa que - nas palavras de John Locke - "misturou seu trabalho" a esse bem ou local, então a propriedade desse bem ou local somente poderá ser legada a terceiros através de uma transferência voluntária - contratual - de um título de propriedade.

Devido ao amplo e generalizado relativismo moral que nos cerca, é válido apontar que essa idéia da apropriação original e da propriedade privada como solução para o problema da ordem social está de completo acordo com a nossa "intuição moral". Não seria simplesmente absurdo alegar que uma pessoa não deveria ser a proprietária de seu próprio corpo e dos lugares e bens que ela originalmente - isto é, antes de qualquer outra - apropria, utiliza e/ou produz fazendo uso de seu próprio corpo? Quem mais, senão essa pessoa, deveria ser o proprietário deles? Não parece ser óbvio, também, que a esmagadora maioria das pessoas - inclusive crianças e primitivos - de fato agem de acordo com essas regras, e o fazem como sendo algo natural, óbvio e rotineiro?

Não obstante, a intuição moral, por mais importante que seja, não é prova de nada. Entretanto, também existem provas da veracidade de nossa intuição moral.

E a prova é dupla. De um lado, se uma pessoa fosse negar a validade da instituição da apropriação original e da propriedade privada, as conseqüências seriam claras: se a pessoa A não fosse a proprietária de seu próprio corpo e dos bens e lugares originalmente produzidos e/ou apropriados por seu corpo, bem como dos bens voluntariamente (contratualmente) adquiridos de outros proprietários anteriores, então apenas duas alternativas existiriam, a saber: Ou uma outra pessoa, B, deveria ser reconhecida como a proprietária do corpo de A, bem como dos bens e lugares apropriados, produzidos ou adquiridos por A; ou ambas as pessoas, A e B, deveriam ser consideradas igualmente co-proprietárias de todos os corpos, lugares e bens existentes.

No primeiro caso, A estaria reduzida à categoria de escravo de B, sendo um objeto de exploração. B seria o proprietário do corpo de A e de todos os lugares e bens apropriados, produzidos e adquiridos por A. Mas A, por sua vez, não seria o proprietário do corpo de B, e nem dos lugares e bens apropriados, produzidos e adquiridos por B. Assim, sob essas regras, duas classes categoricamente distintas de pessoas estariam constituídas - os Seres Inferiores, como A, e os Seres Superiores, como B -, às quais seriam aplicadas "leis" diferentes. Logo, tal sistema deve imediatamente ser descartado como uma ética humana, pois não é igualmente aplicável a qualquer um que esteja na condição de ser humano (animal racional). Desde sua concepção, qualquer sistema de leis desse tipo já é identificável como não sendo universalmente aceitável - logo, tal sistema não pode alegar que representa a lei. Para que uma regra ambicione ganhar o status de lei - uma regra justa - é necessário que tal regra seja igual e universalmente aplicável a todos.

Alternativamente, no segundo caso, que defende a co-propriedade universal, o requisito de se ter uma lei igual para todos seria cumprido. Entretanto, essa alternativa sofreria de uma deficiência ainda mais severa, que, se aplicada, faria com que toda a humanidade instantaneamente sucumbisse. (Dado que toda ética humana deve permitir a sobrevivência da humanidade, essa alternativa também deve ser rejeitada). Toda ação de uma pessoa requer o uso de algum meio escasso (pelo menos o uso do corpo dessa pessoa e do espaço que ele ocupa). Porém, se todos os bens pertencessem simultaneamente a todas as pessoas, então ninguém, em nenhum momento e em nenhum lugar, teria a permissão de fazer qualquer coisa, a menos que ele anteriormente tivesse obtido a permissão de todos os outros co-proprietários. Entretanto, fica o dilema: como é que uma pessoa poderia conceder tal permissão sendo que ela não é a dona exclusiva de seu próprio corpo (incluindo suas cordas vocais)? Afinal, é através de seu corpo que a autorização deve ser expressa. De fato, antes de dar seu consentimento, ela teria de obter o consentimento de outra pessoa, que a autorizaria a expressar a sua própria autorização. Mas essa outra pessoa não poderia dar esse consentimento sem antes ter obtido, de uma outra pessoa, a autorização para tal, e assim por diante.

Essa constatação da impossibilidade praxeológica do "comunismo universal" - como Rothbard se referiu a essa proposta - me leva imediatamente a uma maneira alternativa de demonstrar a idéia da apropriação original e da propriedade privada como a única solução correta para o problema da ordem social.[2] Se as pessoas têm ou não quaisquer direitos e, caso tenham, quais são eles, é algo que só pode ser decidido por meio da argumentação (debate proposicional). Uma justificativa - prova, conjectura, refutação - é uma proposição argumentativa. Qualquer um que negue essa afirmação estaria envolvido em uma contradição performativa, pois sua negação iria por si só constituir um argumento. O seu próprio ato de negar é em si uma argumentação. Mesmo um relativista ético teria de aceitar essa primeira afirmação, que é apropriadamente conhecida como o apriorismo da argumentação.

Dada a aceitação inegável - o status axiomático - desse apriorismo da argumentação, duas conclusões igualmente necessárias se seguem. A primeira ocorre quando não há uma solução racional para o problema do conflito que surge em decorrência da existência de escassez. Suponha, em meu cenário anterior envolvendo Crusoé e Sexta-Feira, que Sexta-Feira não fosse um homem, mas sim um gorila. Obviamente, da mesma forma que Crusoé poderia se envolver em conflitos com Sexta-Feira, o homem - conflitos relativos a seu corpo e ao espaço que ele ocupa -, ele também poderá se envolver nesse mesmo tipo de conflito com Sexta-Feira, o gorila. O gorila pode querer ocupar o mesmo espaço que Crusoé já ocupa. Nesse caso, se o gorila for o tipo de ente que sabemos ser, não haveria uma solução racional para o conflito. Ou o gorila iria acossar, esmagar e devorar Crusoé - essa seria a solução do gorila para o problema -, ou Crusoé iria domar, caçar, abater ou matar o gorila - essa seria a solução de Crusoé. Nesse cenário, alguém poderia de fato falar sobre relativismo moral. Entretanto, seria mais apropriado se referir a essa situação como uma na qual a questão da justiça e da racionalidade simplesmente não seria levantada; isto é, esta seria considerada uma situação extra-moral. A existência do gorila implicaria em um problema técnico para Crusoé, e não em um problema moral. Ele não teria outra escolha que não a de aprender como gerenciar e controlar com sucesso os movimentos do gorila, assim como ele teria de aprender a gerenciar e controlar quaisquer outros objetos inanimados no ambiente ao seu redor.

Dedutivamente, somente se ambos os lados de um conflito forem capazes de incorrer mutuamente em uma argumentação, é que poderemos considerar a questão do problema moral. E, apenas nesse caso, a pergunta sobre se há ou não uma solução para esse problema se torna uma pergunta significante. Logo, somente se Sexta-Feira, independentemente de sua aparência física, for capaz de incorrer em alguma argumentação (mesmo que ele tenha se mostrado capaz de tal ato apenas uma vez), poderá ele ser considerado racional, e a pergunta sobre se existe ou não uma solução correta para o problema da ordem social passará então a fazer sentido. Não se deve esperar que uma pessoa dê qualquer resposta para uma outra pessoa que jamais fez alguma pergunta ou, mais especificamente, que jamais expressou seu próprio ponto de vista relativístico na forma de um argumento. Nesse caso, essa "outra" pessoa só poderá ser considerada e tratada como uma planta ou um animal - isto é, como uma entidade extra-moral. Somente se esta outra entidade for capaz de pausar suas atividades - quaisquer que sejam - e dizer "sim" ou "não" (não necessariamente em termos verbais, obviamente) para alguma coisa que outra pessoa tenha dito, é que então teremos a obrigação de dar a essa entidade uma resposta. E, consequentemente, só então poderemos alegar que o nosso ponto de vista é o correto para ambos os lados envolvidos eu um conflito.

Ademais, segue-se do apriorismo da argumentação que, tudo o que deve ser tomado como pressuposição para uma argumentação, isto é, tudo o que deve ser considerado como uma precondição lógica e praxeológica para uma argumentação, não pode, por sua vez, ter a sua validade contestada argumentativamente. Pois, ao fazer isso, a pessoa cairia em contradição performativa - uma auto-contradição.

Porém, debates proposicionais não são feitos por afirmações vagas e flutuantes; ao contrário, eles constituem uma atividade humana específica. Uma discussão argumentativa entre Crusoé e Sexta-Feira requer que ambos tenham - e mutuamente reconheçam que o outro também tem - controle exclusivo sobre seus respectivos corpos (seus cérebros, cordas vocais, etc.), bem como sobre o espaço ocupado por seus corpos. Uma pessoa só pode propor alguma coisa e esperar que o oponente se convença da validade do argumento - ou o negue e proponha outra coisa - se o seu direito e o do seu oponente sobre o controle exclusivo de seus respectivos corpos e espaços forem pressupostos. De fato, é exatamente esse reconhecimento mútuo que o proponente e o oponente têm a respeito da propriedade de seus próprios corpos e do espaço que respectivamente ocupam que constitui o characteristicum specificum de todas as argumentações proposicionais: embora uma pessoa possa não concordar quanto à validade de uma proposição específica, ela pode no entanto concordar com o fato de que ela discorda de algo. Ademais, esse direito à propriedade que alguém tem sobre o próprio corpo e sobre o espaço que ele ocupa deve ser considerado, tanto pelo proponente como pelo oponente, aprioristicamente (ou incontestavelmente) auto-evidente. Qualquer um que afirme que a sua argumentação é que é válida vis-à-vis a de um oponente, já estaria automaticamente pressupondo que ele e seu oponente têm controle exclusivo sobre seus respectivos corpos e espaços ocupados por eles. Quando uma pessoa diz "Eu afirmo que isso e isso é verdade e desafio você a provar que estou errado", ela está automaticamente assumindo as condições acima.

Mais ainda: seria igualmente impossível uma pessoa incorrer em alguma argumentação e depender da força proposicional de seu argumento se essa pessoa não pudesse ser a proprietária (controle exclusivo) de outros meios escassos (além de seu corpo e do espaço que ele ocupa). Se essa pessoa não tivesse esse direito, ela já estaria morta. Expandindo-se essa situação universalmente, todos nós já estaríamos mortos, e todo o problema de ter de justificar regras - bem como qualquer outro problema - simplesmente não existiria. Logo, unicamente pela virtude do fato de essa pessoa estar viva, o direito de propriedade sobre outras coisas deve ser pressuposto como válido, também. Ninguém que esteja vivo pode argumentar o contrário.

Se uma pessoa não pudesse adquirir a propriedade sobre esses bens e espaços por meio de um ato de apropriação original - isto é, estabelecendo um elo objetivo (intersubjetivamente averiguável) entre ela própria e o bem e/ou espaço específicos antes de qualquer outra pessoa - e se, ao invés disso, a propriedade sobre esses bens ou espaços fosse concedida àqueles que chegassem por último (retardatários), então uma pessoa só teria a permissão de começar a utilizar qualquer bem após ter a autorização do retardatário. Entretanto, como pode um retardatário conceder autorizações àquele que chegou antes? Ademais, todo retardatário teria, por sua vez, de obter a autorização de futuros retardatários, e assim por diante. Ou seja: nem nós, nem nossos antepassados e nem os nossos rebentos seriam capazes de sobreviver caso essa regra fosse estabelecida e cumprida. Contudo, para que qualquer pessoa - no passado, no presente ou no futuro - possa argumentar alguma coisa, sua sobrevivência deve ser algo possível; e para poder fazer isso (argumentar) os direitos de propriedade não podem ser entendidos como algo atemporal e indefinido em relação ao número de pessoas envolvidas. Antes, os direitos de propriedade devem necessariamente ser entendidos como originados através da ação de indivíduos específicos em pontos específicos do espaço e do tempo. Caso contrário, seria impossível para alguém poder dizer alguma coisa em um ponto específico do espaço e do tempo de modo que outra pessoa pudesse responder. Portanto, simplesmente dizer que a regra do "primeiro usuário, primeiro dono" - que é a ética fundamental da propriedade privada - pode ser ignorada ou é ilógica, implica automaticamente em uma contradição performativa, pois se uma pessoa está sendo capaz de dizer isso, deve-se pressupor a existência dessa pessoa como uma unidade independente para tomar decisões em um dado ponto do tempo e do espaço.[3]

III. Conceitos errados e esclarecimentos

De acordo com esse entendimento acerca da propriedade privada, pode-se dizer que 'propriedade' significa o controle exclusivo de um indivíduo sobre espaços e objetos físicos. Reciprocamente, invasão dos direitos de propriedade significa causar danos físicos não autorizados, bem como causar a diminuição de objetos e territórios pertencentes a outras pessoas. Em contraste, há uma visão amplamente aceita de que a perda, ou a diminuição, do valor (ou preço) de uma propriedade constitui uma agressão passível de punição.

Considerando-se a (in)compatibilidade de ambas as posições, é fácil reconhecer que quase toda ação de um indivíduo pode alterar o valor (preço) da propriedade de outro. Por exemplo, quando uma pessoa A ingressa no mercado de trabalho ou decide se casar (o mercado do casamento), isso pode alterar o valor de B nesses mesmos mercados. Se A alterar suas valorações subjetivas relativas a cerveja e pão, por exemplo, ou se o próprio A decidir se tornar um cervejeiro ou um padeiro, isso alteraria o valor da propriedade dos outros cervejeiros e padeiros.

Desse cenário surgem duas possibilidades.

Primeira: De acordo com a visão que alega que o dano ao valor constitui uma violação de direitos, A estaria cometendo uma agressão passível de punição frente aos cervejeiros e padeiros. Se A é culpado, então B, os cervejeiros e os padeiros devem ter o direito de se defenderem das atitudes de A, e suas ações defensivas podem consistir somente em restrições físicas ao indivíduo A e invasões à sua propriedade. Deve ser permitido a B proibir fisicamente o ingresso de A no mercado de trabalho ou no de casamento; aos cervejeiros e padeiros deve ser permitido impedirem fisicamente A de gastar seu dinheiro da maneira que mais lhe aprouver. Entretanto, nesse caso, a diminuição da propriedade e/ou o dano físico impostos a A não podem ser vistos como uma agressão passível de punição. Já que essas atitudes foram tomadas em legítima defesa, elas são legítimas.

Segunda: Inversamente, considerando-se que danos físicos e diminuição física constituem uma violação de direitos, então B ou os cervejeiros e os padeiros não têm o direito de se defender das ações de A, pois as ações deste - entrada no mercado de trabalho ou no de casamento, alteração na valoração subjetiva da cerveja e do pão, ou a abertura de uma cervejaria ou padaria - não afetam a integridade corpórea de B ou a integridade física da propriedade dos cervejeiros ou da dos padeiros. Se, ainda assim, eles se defenderem fisicamente, então o direito de defesa passaria ao indivíduo A, pois este teria tido sua integridade gratuitamente atacada. Nesse cenário, portanto, se alguém altera o valor da propriedade de outras pessoas, isso não pode ser considerada uma agressão passível de punição.

Uma terceira possibilidade não existe.

Entretanto, ambas as idéias acerca dos direitos de propriedade não são apenas incompatíveis. A visão alternativa - a de que um indivíduo pode ser o dono do valor ou do preço de bens escassos - é indefensável. Embora uma pessoa tenha controle sobre se suas atitudes irão ou não gerar alterações físicas na propriedade de terceiros, ela não tem controle algum sobre se suas atitudes irão ou não afetar o valor (ou o preço) da propriedade de terceiros. Isso é algo determinado por outros indivíduos e por suas avaliações subjetivas. Conseqüentemente, seria impossível saber com antecedência se as atitudes tomadas por uma pessoa, e que geraram alterações no valor de uma propriedade, foram legítimas ou não. Assim, antes de se iniciar qualquer empreendimento, por mais insignificante que fosse, toda a população teria de ser interrogada a fim de se assegurar que tal ação não prejudicaria o valor de alguma propriedade. E ninguém poderia começar a agir até que o consenso universal fosse alcançado. A humanidade pereceria muito antes de essa hipótese poder se cumprir.

Além disso, a afirmação de que uma pessoa tem um direito de propriedade sobre o valor das coisas envolve uma contradição. Pois, para alegar que essa afirmação é válida - universalmente aceita - teríamos de assumir que é legítimo agir antes de haver um consenso sobre se é permitido ou não a essa pessoa agir. Caso contrário, seria impossível propor-se qualquer coisa. Entretanto, se uma pessoa é capaz de expressar uma proposição - e ninguém pode negar isso sem cair em contradição - isto só é possível porque existem fronteiras físicas para a propriedade, isto é, fronteiras que qualquer um pode reconhecer e determinar independentemente e sem qualquer informação sobre as valorações subjetivas de terceiros.[4]

Outro equívoco igualmente comum a respeito da idéia da propriedade privada se refere à classificação de ações como sendo admissíveis ou inadmissíveis baseando-se exclusivamente em seus efeitos físicos - isto é, sem levar em consideração que cada direito de propriedade tem uma história (gênese temporal).

Se A danificar fisicamente a propriedade de B (por exemplo, através de poluição do ar ou sonora), a situação deve ser julgada de modo diferente, dependendo de quais direitos de propriedade foram estabelecidos primeiro. Se a propriedade de A foi estabelecida primeiro, e se ele já vinha efetuando suas atividades problemáticas antes de a propriedade vizinha de B ser fundada, então A pode continuar suas atividades. O indivíduo A estabeleceu um tipo de servidão.[5] Desde o início, B adquiriu e sabia que estava adquirindo uma propriedade suja e barulhenta, e se B quiser que sua propriedade seja limpa e silenciosa ele deve pagar A por esse benefício. Inversamente, se a propriedade de B tiver se estabelecido primeiro, então A deverá parar suas atividades; e se ele não quiser fazer isso, então deverá pagar B por esse privilégio. Qualquer outra sentença é impossível e indefensável porque, estando uma pessoa viva e acordada, não tem como ela não agir. Uma pessoa que se estabeleceu primeiro (o precursor) não pode, mesmo se ela quisesse, esperar que um retardatário dê seu aval para que ela comece a agir. A ela deve ser permitida a ação imediata. E se nenhuma propriedade - além da do precursor - existe (porque um retardatário obviamente ainda não chegou), então o raio de ação desse precursor está limitado apenas pelas leis da natureza. Um retardatário só poderá questionar a legitimidade de um precursor se ele, o retardatário, for o dono dos bens afetados pelas ações do precursor. Entretanto, isso implica que uma pessoa pode ser dona de coisas ainda não apropriadas; ou seja, que uma pessoa pode ser proprietária de coisas que ainda não foram descobertas ou apropriadas por ela por meio da ação física. E isso, finalmente, significa que ninguém teria a permissão de se tornar o primeiro usuário de uma entidade física ainda não apropriada e não descoberta. Afinal, essa entidade, mesmo que ainda não tenha sido descoberta, já teria dono. Daí a contradição.

IV. A economia da propriedade privada

A idéia da propriedade privada, além de estar de acordo com a nossa intuição moral e ser a única solução justa para o problema da ordem social, representa algo ainda maior: a instituição da propriedade privada é também a base da prosperidade econômica e do "bem-estar social". Se as pessoas agirem de acordo com as regras que fundamentam a instituição da propriedade privada, o bem-estar social será otimizado.

Todo ato de apropriação original melhora o bem-estar do apropriador (pelo menos ex ante); caso contrário, tal ato não seria executado. Ao mesmo tempo, ninguém fica em situação pior por causa desse ato. Qualquer outro indivíduo poderia ter apropriado esses mesmos bens e territórios caso ele tivesse reconhecido-os como escassos - logo, valiosos. Entretanto, considerando-se que nenhum outro indivíduo faz tal apropriação, ninguém mais pode ter sofrido uma perda de bem-estar decorrente da apropriação original. Portanto, o chamado critério de Pareto (que alega ser cientificamente legítimo dizer que haverá uma melhora do "bem-estar social" somente se uma determinada mudança aumentar o bem-estar individual de uma pessoa e não causar uma piora no bem-estar de qualquer outra pessoa) está cumprido. Um ato de apropriação original satisfaz essa condição. Ele aumenta o bem-estar de uma pessoa, o apropriador, sem diminuir a riqueza física (propriedade) de nenhuma outra. Todas as outras pessoas seguem tendo a mesma quantidade de propriedade que tinham antes, exceto o apropriador, que ganhou uma propriedade nova e previamente inexistente. Um ato de apropriação original sempre aumenta o bem-estar social.

Qualquer ação adicional feita com os bens e territórios originalmente apropriados aumenta o bem-estar social, pois, não importa o que a pessoa faça com sua propriedade, ela estará fazendo com o intuito de aumentar seu bem-estar. Isso vale tanto para quando ela consome sua propriedade, como para quando ela produz uma nova propriedade a partir da "natureza". Todo ato de produção é motivado pelo desejo que o produtor tem de transformar uma entidade menos valiosa em uma mais valiosa. Desde que os atos de consumo e de produção não causem danos físicos ou diminuição da propriedade de terceiros, eles estarão aumentando o bem-estar social.

Finalmente, toda troca (transferência) voluntária de propriedade - seja ela uma propriedade adquirida ou produzida - entre duas pessoas, também aumenta o bem-estar social. Uma troca de propriedade só é possível se ambos os proprietários preferem aquilo que irão obter àquilo de que estão abrindo mão. E com isso ambos esperam se beneficiar da troca. Duas pessoas melhoram seu bem-estar após cada troca de propriedade, enquanto que a propriedade sob o controle de todas as outras pessoas permanece inalterada.

Em um contraste marcante, qualquer desvio da instituição da propriedade privada necessariamente levará a perdas no bem-estar social.

No caso da co-propriedade igual e universal - comunismo universal em vez de propriedade privada - o preço a ser pago seria a morte instantânea da humanidade, pois uma co-propriedade universal significaria que ninguém teria a permissão para fazer qualquer coisa, inclusive se mover para algum lugar. Qualquer desvio real da ordem da propriedade privada representaria um sistema de dominação desigual e hegemônica. Isto é, seria uma ordem na qual uma pessoa ou um grupo - os soberanos, os exploradores ou os Seres Superiores - teria a total liberdade de adquirir propriedade por outros meios que não a apropriação original, a produção ou a troca, ao passo que outra pessoa ou grupo - os governados, explorados ou Seres Inferiores - estaria proibido de fazer o mesmo. Conquanto esse tipo de hegemonia seja possível, ela envolveria perdas no bem-estar social e levaria a um relativo empobrecimento.

Se A puder adquirir livremente um bem ou território já apropriado por B, o bem-estar de A aumentará à custa de uma correspondente perda no bem-estar de B. O critério de Pareto não estará sendo cumprido, e o bem-estar social será sub-ótimo. O mesmo é válido para outras formas de regras hegemônicas. Se A proibir B de se apropriar originalmente de um bem ou espaço até então sem proprietário; se A puder adquirir bens produzidos por B sem a autorização de B; se A puder determinar o que B pode ou não fazer com seus bens apropriados ou produzidos - mesmo que em cada situação esteja sendo respeitado o requisito de que uma pessoa não pode diminuir ou danificar fisicamente a propriedade de outra, ainda assim, em cada caso haverá um "ganhador", A, e um "perdedor", B. Em cada caso, A aumenta seu estoque de propriedade à custa da correspondente perda de propriedade de B. Em nenhuma situação o critério de Pareto está sendo cumprido, o que sempre resulta em um nível de bem-estar social sub-ótimo.

Ademais, hegemonia e exploração levam a um nível reduzido de produção futura. Qualquer sistema que dê aos não-produtores, não-comerciantes e não-apropriadores o controle, total ou parcial, sobre os bens apropriados, produzidos ou comercializados por terceiros, é um sistema que necessariamente levará a uma redução de futuros atos de apropriação original, produção e trocas mutuamente benéficas. Pois, para as pessoas que executam esses atos, cada uma dessas atividades está associada a determinados custos, e os custos de se realizar esses atos aumenta sob um sistema hegemônico, ao passo que os custos de não realizá-los, diminui. O consumo presente e o lazer se tornam mais atraentes do que a produção (consumo futuro), o que faz com que o nível da produção fique abaixo do que poderia ser. Quanto aos soberanos, o fato de que eles podem aumentar sua riqueza simplesmente expropriando qualquer propriedade apropriada, produzida ou adquirida contratualmente por terceiros irá levar a uma utilização esbanjadora e destrutiva da propriedade à sua disposição.

E pelo fato de eles terem o poder de suplementar sua riqueza futura por meio da expropriação (impostos), um comportamento orientado para o curto prazo e para o consumo (preferência temporal alta) passa a ser estimulado; e ainda que os soberanos utilizem seus bens "produtivamente", a probabilidade de ocorrerem más alocações, erros de cálculo e prejuízos econômicos é sistematicamente aumentada.

V. O pedigree clássico

Como observado no início desse ensaio, a ética e a economia da propriedade privada apresentadas acima não reivindicam qualquer originalidade. Antes, são uma expressão moderna de uma tradição "clássica" que remete a Aristóteles, ao direito romano, a São Tomás de Aquino, aos escolásticos espanhóis tardios, a Hugo Grócio e a John Locke.[6]

Em contraste à utopia comunista de A República, de Platão, Aristóteles fornece uma lista abrangente das vantagens comparativas da propriedade privada em sua obra Política. Primeiro, a propriedade privada é mais produtiva. "Aquilo que é comum para o maior número de pessoas recebe a quantidade mínima de cuidado. Os homens dão atenção máxima apenas para aquilo que lhes pertence; eles se preocupam menos com o que é comum para todos; ou se preocupam apenas até o grau que for do seu interesse individual. Mesmo quando não há motivo para a negligência, os homens são mais propensos a serem omissos em suas tarefas sempre que pensam que outro está se incumbindo dela".[7]

Segundo, a propriedade privada evita conflitos e promove a paz. Quando as pessoas têm seus próprios campos de interesse em separado, "não haverá os mesmos motivos para litígios, e a dose de interesse aumentará, pois cada homem sentirá que está se dedicando ao que é deles próprios"[8]. "Realmente, é fato observado que, aqueles que possuem propriedade comum e compartilham sua administração, estão em discórdia uns com os outros com muito mais freqüência do que aqueles que possuem propriedade em separado."[9] Mais: a propriedade privada existiu sempre e em todo lugar, ao passo que as utopias comunistas não surgiram espontaneamente em lugar algum. Finalmente, a propriedade privada promove as virtudes da benevolência e da generosidade. Ela permite que as pessoas assim o sejam com amigos em necessidade.

O direito romano, desde a Lei das Doze Tábuas, passando pelo Código Teodosiano até chegar ao Código de Justiniano, reconheceu o direito à propriedade privada como sendo quase absoluto. Naquela época - muito antes de o estado criar seus inúmeros encargos e restrições -, a propriedade era reconhecida como originária de qualquer posse incontestada. O dono poderia fazer o que quisesse com sua propriedade, e a liberdade de contrato era plenamente reconhecida. Também, o direito romano fazia uma distinção importante entre o direito 'nacional' (romano) - ius civile - e o direito 'internacional' - ius gentium.

A contribuição cristã a essa tradição clássica - expressada por católicos como São Tomás de Aquino e os escolásticos tardios espanhóis, bem como pelos protestantes Hugo Grócio e John Locke - é dupla. Tanto Roma quanto a Grécia eram civilizações que possuíam escravos. Aristóteles, habitualmente, considerava a escravidão como sendo uma instituição natural. Em contraste, a civilização ocidental - cristã -, salvo algumas exceções, sempre foi essencialmente uma sociedade de homens livres. Daí, tanto para Aquino quanto para Locke, todo indivíduo tem um direito de propriedade sobre si próprio (soberania individual). Ademais, Aristóteles e a civilização clássica em geral eram desdenhosos do trabalho, do comércio e da ação de se ganhar dinheiro. Diferentemente, a Igreja, em conformidade com o Velho Testamento, glorificava as virtudes do trabalho e do esforço. Destarte, para Aquino e Locke, foi por meio do trabalho, do uso e do cultivo de terras até então ociosas que a propriedade veio a surgir.

Essa teoria clássica da propriedade privada - que se baseia na soberania do indivíduo sobre seu o próprio corpo, no princípio da apropriação original e nos contratos (transferência de títulos de propriedade) - continuou encontrando defensores famosos, como Jean Baptiste Say. Entretanto, desde o auge de sua influência no século XVIII até bem recentemente, com o avanço do movimento rothbardiano, a teoria clássica caiu no esquecimento.

Durante dois séculos, a economia e a ética (filosofia política) se distanciaram de suas origens, que é a doutrina do direito natural, e passaram a fazer parte de empreendimentos intelectuais aparentemente desconexos. A economia era uma ciência "positiva" livre de julgamentos de valor. Ela perguntava "quais meios são apropriados para produzir um dado (pressuposto) fim?". A ética era uma ciência "normativa" (se é que era uma ciência). Ela perguntava "quais fins (e qual o uso a ser dado aos meios) uma pessoa pode justificadamente adotar?". Como resultado dessa separação, o conceito de propriedade foi crescentemente desaparecendo de ambas as disciplinas. Para os economistas, 'propriedade' soava muito normativo; para os filósofos políticos, 'propriedade' tinha sabor de economia trivial.

Em contraste, observou Rothbard, termos econômicos elementares como trocas diretas e indiretas, mercados e preços de mercado, assim como agressão, crime, delito e fraude não podem ser definidos ou entendidos sem uma teoria adequada sobre a propriedade. Também não é possível estabelecer teoremas econômicos relacionados a esses fenômenos sem a noção implícita de propriedade e direitos de propriedade. Uma definição e uma teoria para a propriedade devem anteceder a definição e o estabelecimento de todos os outros termos e teoremas econômicos.

A contribuição especial de Rothbard, desde o início dos anos 1960 até sua morte em 1995, foi a redescoberta de que a propriedade e os direitos de propriedade são a base comum tanto da economia quanto da filosofia política. Isso levou a uma reconstrução sistemática e a uma integração conceitual da moderna economia marginalista e da filosofia política do direito natural em uma ciência moral unificada: o libertarianismo.

V. Os desvios de Chicago

Durante a época em que Rothbard estava restituindo o conceito de propriedade privada à sua posição central na ciência econômica, além de estar reintegrando a economia à ética, outros economistas e teóricos do direito associados à Universidade de Chicago, tais como Ronald Coase, Harold Demsetz e Richard Posner, também estavam começando a redirecionar atenção profissional à questão da propriedade e dos direitos de propriedade.[10]

Entretanto, enquanto que para Rothabrd a propriedade privada e a ética logicamente precedem a economia, para os chicaguenses a propriedade privada e a ética estão subordinadas à economia e a todas as considerações econômicas. De acordo com Posner, qualquer coisa que aumente a riqueza social é justa.[11]

A diferença entre as duas abordagens pode ser ilustrada considerando-se um dos problemas utilizados por Coase como exemplo: uma ferrovia que passa ao lado de uma fazenda. O motor emite faíscas, e as faíscas danificam as plantações do fazendeiro. O que deve ser feito?

Do ponto de vista clássico, o que precisa ser estabelecido é quem estava lá primeiro: o fazendeiro ou a ferrovia? Caso seja o fazendeiro, ele poderia então obrigar a ferrovia a interromper suas atividades (através de uma ordem se cessação) ou então exigir compensação. Caso tenha sido a ferrovia quem se estabeleceu primeiro, então ela poderia continuar emitindo faíscas, e o fazendeiro teria de pagar à ferrovia caso ele quisesse se manter livre das faíscas.

Do ponto de vista coaseano, a resposta é dupla. Primeiro e "positivamente", Coase alega que não importa como os direitos de propriedade e os encargos são alocados; o que importa é que eles estejam alocados de alguma forma e de modo que os custos de transação sejam zero (algo irrealista).

Coase alega ser errado pensar no fazendeiro e na ferrovia em termos de "certo" ou "errado", como "agressor" e "vítima".

"O problema é normalmente pensado como: A causa danos a B, e a decisão a ser tomada é 'Como deveríamos restringir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Evitar o dano causado a B seria infligir dano a A. A verdadeira questão a ser decidida é: deveria A ter permissão para prejudicar B ou será que B é quem deveria ter permissão para prejudicar A? O problema é como evitar o dano mais sério."[12]

Ademais, considerando-se que A e B possuem "igual" estatura moral, supostamente não interessa para quem os direitos de propriedade foram inicialmente designados: a alocação de recursos econômicos, no final, será a mesma. Suponha que o prejuízo da safra para o fazendeiro, A, é de $1000, e o custo de um aparelho retentor de faísca (ARF) para a ferrovia, B, seja $750. Se B for julgado responsável pelos danos à colheita, então B terá de instalar um ARF ou interromper suas operações. Se B for considerado inocente, então A irá voluntariamente pagar uma soma entre $750 e $1000 para que B instale um ARF. Ambas as possibilidades resultam na instalação de um ARF. Agora, assuma que os números sejam trocados: o prejuízo da safra é de $750, e o custo de um ARF é de $1000. Se B for julgado responsável, ele pagará a A $750, mas não irá instalar um ARF. E se B for julgado inocente, A não poderá pagar a B o suficiente para instalar um ARF. Novamente, ambos os cenários acabam com o mesmo resultado: não haverá um ARF. Portanto, independentemente de como os direitos de propriedade são inicialmente designados, de acordo com Coase, Demsetz e Posner a alocação dos fatores de produção será a mesma.

Segundo e "normativamente" - sendo o único caso realista de custos de transação positivos -, Coase, Demsetz e Posner pedem que os tribunais designem direitos de propriedade aos queixosos de maneira tal que a "riqueza" ou o "valor da produção" seja maximizado. Para o caso acima considerado, isso significa que, se o custo do ARF for menor que o prejuízo da colheita, então o tribunal deveria ficar do lado do fazendeiro e responsabilizar a ferrovia. Por outro lado, se o custo do ARF for maior que o prejuízo da colheita, então o tribunal deveria ficar do lado da ferrovia e responsabilizar o fazendeiro. Posner oferece outro exemplo. Uma fábrica emite fumaça e, por isso, diminui o valor das propriedades residenciais na vizinhança. Se o valor das propriedades cai $3 milhões e o custo de se remanejar a fábrica é de $2 milhões, a planta deve ser condenada e obrigada a se mudar. Entretanto, se os números forem trocados - o valor das propriedades cai $2 milhões e os custos de remanejamento são de $3 milhões - a fábrica poderá continuar ali emitindo fumaça.

Ambas as alegações positivas e normativas da economia e do direito de Chicago devem ser rejeitadas.[13] Quanto à alegação de que não importa a quem os direitos de propriedade são inicialmente designados, três respostas são cabíveis. Primeiro, como até Coase admite, certamente interessa ao fazendeiro e à ferrovia como e a quem esses direitos serão designados. Interessa não apenas como os recursos são alocados, mas também quem fica com eles.

Segundo e mais importante: para o valor da produção social, é de fundamental importância como são designados os direitos de propriedade. Os recursos alocados para empreitadas produtivas não são simplesmente dados de graça. Eles próprios são resultado de uma série de atos anteriores de apropriação original e produção; e o quanto haverá de apropriação original e de produção é algo que depende do incentivo dado aos apropriadores e produtores. Se os apropriadores e produtores forem os donos absolutos daquilo que apropriaram ou produziram, ou seja, se não houver risco de surgir qualquer dependência direta para com retardatários em decorrência dos atos de apropriação e produção, estão o nível de riqueza será maximizado. Por outro lado, se os apropriadores originais e produtores puderem ser responsabilizados por retardatários, como subentendido na doutrina da "reciprocidade do dano" de Coase, então o valor da produção será menor do que no outro contexto. Isto é, a doutrina do "não interessa" é contraprodutiva e, ironicamente, provoca o resultado oposto da maximização da riqueza almejada por Coase.

Terceiro, a alegação de Coase de que a utilização dos recursos não será afetada pela alocação inicial dos direitos de propriedade não é normalmente verdadeira. Aliás, é fácil criar contra-exemplos. Suponha que o fazendeiro não perca $1000 de colheita por causa das faíscas da ferrovia, porém perca um jardim de flores que valia $1000 para ele, mas que não valia absolutamente nada para ninguém mais. Se o tribunal declarar a ferrovia culpada, o ARF de $750 será instalado. Se o tribunal não declarar a ferrovia culpada, o ARF não será instalado porque o fazendeiro simplesmente não possui os fundos necessários para dar à ferrovia de modo que esta instale o ARF. Logo, a alocação final dos recursos será diferente dependendo do arranjo inicial dos direitos de propriedade.

De forma similar, contra a alegação normativa de que os tribunais deveriam designar direitos de propriedade de modo a maximizar a riqueza social, mais três respostas são cabíveis. Primeiro, qualquer comparação interpessoal que envolva utilidade é cientificamente impossível. Entretanto, os tribunais têm de incorrer a contragosto em tais comparações sempre que precisam fazer análises de custo-benefício. Essas análises de custo-benefício são tão arbitrárias quanto as presunções nas quais se baseiam. Por exemplo, elas assumem que os custos psíquicos podem ser ignorados e que a utilidade marginal do dinheiro é constante e igual para todos.

Segundo, como os exemplos numéricos acima mostram, os tribunais designam direitos de propriedade de maneira distinta dependendo dos voláteis dados do mercado. Se o ARF for menos caro que os danos à colheita, o fazendeiro ganha a causa, ao passo que se o ARF for mais caro que os danos à colheita, a ferrovia ganha a causa. Ou seja, circunstâncias diferentes levam a uma redistribuição dos títulos de propriedade. Nesse cenário, ninguém jamais está seguro de sua propriedade.[14] A incerteza jurídica se torna permanente. Isso não parece ser justo nem econômico; ademais, quem em sã consciência iria utilizar um tribunal que tenha anunciado que, no decurso do tempo, poderá realocar os atuais títulos de propriedade dependendo das voláteis condições de mercado?

Finalmente, uma ética não deve apenas ser permanente e estável em circunstâncias voláteis; uma ética deve permitir que uma pessoa decida sobre o que é "justo ou injusto" antes de ela tomar uma atitude, e deve estar relacionada a algo que esteja sob o controle de um agente. Esse é o caso para a ética clássica da propriedade privada e seu princípio do "primeiro usuário, primeiro dono". De acordo com essa ética, agir de forma justa significa que uma pessoa emprega somente meios adquiridos justamente - meios originalmente apropriados, produzidos ou adquiridos contratualmente de um ex-dono -, e os emprega de forma tal que não ocorra dano físico algum à propriedade alheia. Qualquer pessoa pode determinar ex ante se essas condições são satisfeitas ou não; e ela obviamente tem o controle sobre se suas ações danificam fisicamente a propriedade de terceiros ou não. Em distinto contraste, a ética da maximização de riqueza fracassa em atingir ambos os aspectos. Nenhuma pessoa pode determinar ex ante se suas ações irão ou não levar à maximização da riqueza social. Se isso de fato pode ser determinado, só o seria ex post. Da mesma forma, ninguém tem controle sobre se suas ações maximizam ou não a riqueza social. Se elas vão maximizar ou não depende das ações e avaliações de outras pessoas.

Novamente, quem em seu perfeito juízo se sujeitaria ao julgamento de um tribunal que não o deixou saber antecipadamente nem como agir de forma justa e nem como evitar agir de forma injusta, mas que certamente o julgaria ex post, depois dos fatos?

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[1] Ver Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State; Power and Market; idem, The Ethics of Liberty; idem, Egalitarianism as a Revolt against Nature and other Essays; idem, The Logic of Action, 2 vols.

[2] Ver também Hans-Hermann Hoppe, Uma teoria sobre Socialismo e Capitalismo; idem, The Economics and Ethics of Private Property.

[3] Perceba o caráter da "lei natural" dessa solução proposta para o problema da ordem social: que a propriedade privada e sua obtenção através de atos de apropriação original não são meras convenções, mas instituições necessárias (de acordo com a natureza do homem como animal racional). Uma convenção serve a um propósito e existe uma alternativa a uma convenção. Por exemplo, o alfabeto latino serve ao propósito da comunicação escrita. Ele, contudo, possui uma alternativa: o alfabeto cirílico. Portanto, temos aí uma convenção. Qual o propósito das normas? Evitar conflitos relacionados ao usufruto de objetos escassos. Normas geradoras de conflitos contradizem exatamente o seu objetivo. No entanto, com relação ao propósito de evitar conflitos, não existe alternativa à propriedade privada e à apropriação original. Na ausência de uma harmonia pré-estabelecida entre os agentes, os conflitos só podem ser prevenidos se todos os bens estiverem sempre em posse privada de indivíduos específicos e se for sempre evidente quem é e quem não é dono de quê. Ademais, se a humanidade estivesse começando agora, os conflitos só poderiam ser evitados se a propriedade privada fosse adquirida através de atos de apropriação original (ao invés de por meio de meras declarações ou de palavras de retardatários).

[4] Embora ninguém pudesse agir se todos possuíssem direitos de propriedade sobre o valor de suas propriedades, na prática seria possível que uma pessoa ou um grupo, A, tivesse direitos de propriedade sobre o valor de sua propriedade e, com isso, pudesse determinar o que outra pessoa ou grupo, B, poderia ou não fazer com as coisas sob o controle de A. Isso, entretanto, significaria que B não é dono nem do valor e nem da integridade física das coisas sob seu controle; ou seja, B e sua propriedade na verdade pertencem a A. Essa regra poderia até ser implantada, mas não se qualificaria como uma ética humana. Ao contrário, trata-se de um sistema de duas classes, onde os Seres Superiores são os exploradores e os Seres Inferiores, os explorados.

[5] Em termos jurídicos, servidão é um encargo que dá ao possuidor de um terreno o direito de usar ou tirar algum proveito de uma área contígua que pertence a terceiros. Por exemplo, direito de passagem, busca de água, instalação de fios elétricos, etc. [N. do T.]

[6] Para mais detalhes, ver Murray N. Rothbard, Economic Thought Before Adam Smith. An Austrian Perspective on the History of Economic Thought, Volume I; ver também Tom Bethell, The Noblest Triumph. Property and Prosperity Through the Ages (New York: St. Martin's Press, 1998).

[7] Aristótels, Política (Oxford: Clarendon Press, 1946), 1261b.

[8] Ibidem, 1263a.

[9] Ibidem, 1263b.

[10] Ver Ronald Coase, The Firm, The Market, and the Law (Chicago, University of Chicago Press, 1988); Harold Demsetz, Ownership, Control, and the Firm (Oxford: Basil Blackwell, 1988); Richard Posner, The Economics of Justice (Cambridge: Harvard University Press, 1981).

[11] Posner, The Economics of Justice, p. 74: "um ato de injustiça (é definido) como sendo um ato que reduz a riqueza da sociedade."

[12] Ronald Coase, "The Problem of Social Cost," em: idem, The Firm, the Market, and the Law, p. 96. A perversidade moral dessa alegação é melhor ilustrada quando aplicada ao caso hipotético de A estuprando B. De acordo com Coase, A não deve ser contido. Ao contrário, "estamos lidando com um problema de natureza recíproca". Ao se impedir que A estupre B, está-se infligindo um dano a A, pois agora ele não pode mais estuprar livremente. A verdadeira questão é: deveria A poder estuprar B, ou deveria B poder proibir que A o estuprasse? "O problema é como evitar o dano mais sério."

[13] Ver também Walter Block, "Coase and Demsetz on Private Property Rights," Journal of Libertarian Studies, Vol.1, no. 2, 1977; idem, "Ethics, Efficiency, Coasian Property Rights, and Psychic Income: A Reply to Harold Demsetz," Review of Austrian Economics, Vol. 8, no. 2, 1995; idem, "Private Property Rights, Erroneous Interpretations, Morality and Economics," Quarterly Journal of Austrian Economics, Vol. 3, no. 1, 2000; Gary North, The Coase Theorem: A Study in Epistemology (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1992); idem, "Undermining Property Rights: Coase and Becker," Journal of Libertarian Studies, Vol. 16, no. 4 (por vir).

[14] Posner, The Economics of Justice, p. 70-71, admite isso com uma franqueza cativante: "Direitos absolutos perfazem um importante papel na teoria econômica do direito.... Mas quando os custos de transação são proibitivos, o reconhecimento de direitos absolutos é ineficiente..... direitos de propriedade, embora absolutos, (estão) sujeitos aos custos de transações e são subservientes ou instrumentais ao objetivo de se maximizar a riqueza.

Hans-Hermann Hoppe professor de economia da Universidade de Nevada, Las Vegas, é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e The Economics and Ethics of Private Property.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque