segunda-feira, 20 de julho de 2009

O compadrio político


O palanque de Maceió, onde estavam também, na última quarta-feira, a ministra Dilma Rousseff e o governador Teotônio Vilela Filho, ilustra, de modo irretocável, a política tupiniquim. Retrata, à perfeição, a liturgia de simulação e dissimulação.

A crítica à política de compadrio praticada por governos anteriores, feita pelo presidente, teve a intenção de preservar Collor, a seu lado, o qual deve ter-se sentido o mais justo dos governantes. Guerreiro dos tempos em que se fez São Jorge brandindo a espada contra os marajás, o "impichado" ex-presidente foi comparado a Juscelino Kubitschek, eis que, segundo Lula, ambos se mostraram sensíveis aos dramas do povo. Quanta demagogia! Em circunstâncias ordinárias, certos gestos seriam sórdidos, mas podem-se tornar poéticos e até épicos. Lula produziu, na terra dos marechais e de PC Farias, o mais épico de seus gestos recentes. A cena encantaria o próprio Diderot, o chefe dos enciclopedistas franceses, famoso pela lição sobre a arte de ludibriar: os comediantes, dizia ele, "impressionam o público não quando estão furiosos, e sim quando representam bem o furor".

O mesmo se pode dizer dos atores políticos. Eles são melhores não quando se inflamam, mas quando fingem grandes emoções. E ascendem aos píncaros da glória se nascem em terras brasileiras.

O espetáculo das Alagoas teve mais de um ato. O presidente, como sempre, cumpriu "à risca" o comportamento do comandante supremo da Nação ao lembrar que, na proximidade do ano eleitoral, não podia falar de eleição. Balela. A promessa, na presença da ministra Dilma, não durou um átimo de segundo, pois a seguir arrematou: "Só vou dizer uma coisa para vocês. Podem escrever. Eu vou fazer, eu vou ajudar a eleger a minha sucessora neste país." Será que os juízes do Tribunal Superior Eleitoral estavam com os ouvidos atentos? E se estivessem, de que adiantaria? A Alta Corte só age quando acionada. A propósito, já há duas representações contra o PT, Lula e Dilma por antecipação de campanha eleitoral. Pode ser, porém, que a promessa de eleger a sucessora seja entendida como a ideia de se refugiar em seu sítio Fubangos, em São Bernardo do Campo, onde deverá dedicar-se à pesca e ao preparo do tão anunciado coelhinho assado na panela.

Trata-se de um ignorante ou oposicionista quem ouviu da boca de Lula mote eleitoreiro. Nem o anfitrião Téo Vilela, governador alagoano, do mesmo partido dos postulantes à candidatura presidencial pela oposição, José Serra e Aécio Neves, diria ter percebido o gogó de campanha. Se lhe perguntarem, eis uma possível resposta: o presidente cometeu uma tirada jocosa, um agrado aos participantes da inauguração da adutora em Palmeira dos Índios. O rubor não subirá às faces, até porque nenhum sinal de ética resiste às benesses que jorram das fontes do poder. Eis aí o conluio do compadrio, exatamente o pacote que Luiz Inácio combateu naquele palanque.

Há uma hora em que oposição e situação permanecem do mesmo lado do balcão. Os extremos na política se tocam quando os interesses se aproximam. E interesses levam em conta o tamanho do cheque. A historinha é conhecida. Ao ser perguntado quanto poder era o bastante para si, o político respondeu: "Um pouquinho mais, um pouquinho mais." Como uma bola de neve, deseja-se que o poder toque a borda do céu. Ademais, a política brasileira tem um corpo separado dos membros. A situação explica, por exemplo, a distância entre as decisões das cúpulas partidárias e as ações das bases. Nos Estados, as alianças partidárias para 2010 serão desenhadas pela régua frankensteiniana. A amizade literalmente collorida entre Lula e Collor é apenas um aperitivo do que virá pela frente.

Além da expressão aguda de Arthur Virgílio, líder do PSDB, qual é a outra voz tonitruante contra o governo do PT no Senado? É a do senador Tasso Jereissati. Pois não é que esse tucano receberá o apoio petista, por meio do comando do governador cearense Cid Gomes? E como a opinião pública reage diante de situações tão canhestras, como a de inimigos figadais que após duros embates se transformam em amigos cordiais? O substantivo que pode resumir o estado de espírito de muitos cidadãos é asco. E como a maioria política reage diante do asco? O verbo já foi declinado pelo deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), ao dizer que "se lixava" para a opinião pública. Continua a ironizar a decisão do Conselho de Ética no affaire Edmar Moreira: "A polêmica me deu muitos pontos, nunca recebi tantos convites na vida, ganhei espaço." Somente resta pinçar a névoa do tempo para acompanhar Confúcio em visita à sagrada montanha chinesa de Taishan. Lá encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. O sábio perguntou: "Por que não se muda daqui?" Veio o lamento: "Porque os políticos são mais ferozes que os tigres."

Gaudêncio Torquato
O Estado de São Paulo, 20/07/2009

Um comentário:

João Câmara disse...

Fico indignado com os ouvidos moucos dos Juizes do TSE.

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ou estão comprados ou são surdos mesmo.