domingo, 4 de outubro de 2009

TCU: O governo quer corrupção liberada!


EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/10/2009

Ao auditar 219 obras do governo federal em andamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) só não identificou malfeitos em 35. Licitações irregulares, sobrepreço, superfaturamento, alterações indevidas em projetos, orçamentos incompletos foram alguns dos problemas verificados nos empreendimentos que passaram este ano pelo crivo do programa Fiscobras. Duas em cada três dessas construções, ou 149, contêm irregularidades graves - a ponto de, em 41 casos, o TCU recomendar a sua paralisação, mediante bloqueio de verbas.

Entre as obras visadas, 13 fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento, o apregoado pacote de realizações do governo Lula cuja principal serventia até aqui, dado o seu moroso andamento, tem sido a de alavancar a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff. Os empreendimentos que o TCU quer sustar, tamanhos os vícios neles encontrados, somam R$ 7,38 bilhões em investimentos autorizados este ano. Destes, R$ 4,2 bilhões foram destinados para a Refinaria Abreu e Lima, uma joint venture da Petrobrás com a estatal venezuelana PDVSA. O projeto foi inicialmente orçado em cerca de R$ 8 bilhões. Sucessivos reajustes praticamente triplicaram esse valor. O TCU localizou evidências de sobrepreço em diversos contratos firmados pela Petrobrás.

"Não nos interessa a paralisação de obras. Sabemos dos prejuízos financeiros que isso pode causar", afirmou o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, na sessão que aprovou por unanimidade o parecer do relator do levantamento, Aroldo Cedraz, e deu ensejo a um coro de respostas às críticas do governo, a começar do presidente Lula, à sua alegada propensão a interromper empreendimentos. "Não podemos deixar que prosperem a fraude, o conluio e a corrupção", argumentou Aguiar. "O TCU não é uma casa política", reagiu Cedraz. Outro ministro, o ex-senador Valmir Campelo, mencionou as "agressões" que o tribunal tem recebido. "São os desmandos, o superfaturamento e o sobrepreço que nossa instituição bloqueia."

As acusações ao órgão são de fato improcedentes. A verdade é que o presidente da República não é de perder o sono por serem frouxos, para dizer o menos, os próprios controles do governo sobre o destino dos recursos públicos investidos. "A qualquer preço" é uma expressão que decerto se aplica ao seu afã de entrar para a história como grande realizador - daí a sua irritação com os controles exercidos pelo TCU aos quais atribui viés oposicionista. O que o órgão tenta fazer, a rigor, é estreitar a trama da peneira tornada larga demais pela combinação de indiferença (dos administradores públicos) e voracidade (de seus parceiros privados). Nada mais previsível que uns e outros pressionarem por mais complacência na fiscalização dos empreendimentos envolvendo cifras bilionárias. Ou para restringir a competência do ente fiscalizador.

O TCU julga as contas de cerca de 8.500 unidades administrativas, recomendando ao Congresso a sua aprovação ou rejeição. Ao propor a paralisação de uma obra - "quando não é possível outro remédio para os graves indícios de irregularidades", como diz o ministro Ubiratan Aguiar -, o organismo não pode ser responsabilizado pela letargia dos agentes públicos aos quais cabe evitar as impropriedades trazidas à luz pelas auditorias. Um caso típico é o da reforma e ampliação do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Orçada em R$ 270 milhões, a obra está parada há 1 ano e 7 meses à espera de uma solução para os problemas de sobrepreço, superfaturamento e pagamentos por serviços não previstos que o TCU vem apontando.

"Obras paralisadas ficam mais caras quando são retomadas", observou a ministra Dilma Rousseff ao comentar as novas recomendações do tribunal. (Ela, por sinal, reagiu com moderação. Quem foi escalado para investir com aspereza contra o TCU foi o seu colega do Planejamento, Paulo Bernardo.) Mas nem por isso se justifica a continuidade da alocação de recursos para o prosseguimento de projetos eivados de irregularidades. Se o governo não quer atrasos, que faça as coisas direito.

Nenhum comentário: