(do Reinaldo Azevedo) Começo a tratar de um assunto espinhoso e potencialmente explosivo. A bomba cairá no colo do sucessor de Lula, especialmente armada se for alguém da atual oposição. Refiro-me à proposta do governo de alterar os índices de produtividade no campo, o que não vai produzir um grão a mais de feijão, mas pode se constituir num formidável incentivo às invasões de terra. Voltarei ainda a este assunto muitas vezes.
A revisão parece pensada para recauchutar o MST, que anda à procura de uma causa. Os índices atuais, dizem os defensores da mudança, são de 1975 e precisam ser atualizados. Não deixa de ser curioso: quanto mais o empresário rural investe, então, em tecnologia e produtividade, mais põe a sua propriedade em risco, já que aumentam as exigências. Torna-se, assim, como categoria vítima de sua própria eficiência.
O tal índice de produtividade, como está hoje, já é de justiça duvidosa. É estabelecido com base em dois critérios: o GUT (Grau de Utilização da Terra) e o GEE (Grau de Eficiência da Exploração) — portanto, ocupação da área e produtividade física propriamente dita. Que coisa, não? Ninguém define qual deve ser a produtividade de uma planta industrial ou qual é o limite da propriedade urbana — e não tem de definir mesmo. Mas observem que o proprietário rural é tratado quase como um usurpador ou, sei lá, o dono precário de uma área: ou se justifica ou perde o que “quase” lhe pertence.
O critério, mesmo sem mudança, já é um tanto burro. É produtiva a terra que atinja 80% do GUT e 100% do GEE — com base em índices que o governo exige de cada região. Tomemos duas propriedades, A e B, ambas com mil hectares. A primeira tem o GUT de 80%, produz o mínimo exigido, mas bem menos do que a propriedade B, que recorre à tecnologia, ocupando, no entanto, apenas 70% da área. Qual será a propriedade improdutiva? Bidu! Aquela que produz mais.
Há muitos aspectos envolvidos nessa revisão. Mas, neste primeiro texto, trato da questão política. Enviei um e-mail a respeito ao deputado Raul Jungmann (PPS-PE), ex-ministro da Reforma Agrária. “O que pensa da revisão?” Recebi a resposta que segue. Ele sabe do que fala.
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O governo federal assumiu compromisso com o MST de revisar os índices de produtividade da terra. Caso faça isso - no passado, prometeu e não entregou -, vai colher uma supersafra de invasões de terras. Sobretudo, mas não apenas, no Sudeste e Sul do país, coração do agronegócio.
Os índices de produtividade fixam o mínimo que uma dada área deve produzir para ser considerada produtiva. Abaixo desse mínimo, a terra é considerada improdutiva e passível de desapropriação para fins da reforma agrária. Como, de sua última revisão para cá, a produtividade rural cresceu muito, o que antes era produtivo, pelos novos padrões, poderá deixar de sê-lo. Logo, muitas áreas hoje consideradas produtivas passarão a ser classificadas como improdutivas, o que gerará dois efeitos.
Um deles: será ampliada a área total potencialmente desapropriável - a qual é residual, pelos atuais índices, nos estados do Sul e do Sudeste. Regiões onde, diga-se, temos o maior contingente de sem-terra à espera de um pedaço de chão e, portanto, a maior pressão por reforma agrária. Segundo: o MST, de posse dos dados da nova estrutura fundiária, que lhe serão repassados pelo INCRA, que o movimento domina, lançar-se-á a uma formidável onda de invasões.
Pode ser que a mexida nos índices seja pontual, o que não teria grande impacto. Pode ser até que o governo fique só na promessa, como no passado. Mas, se a mexida for para valer, teremos uma reação em cadeia, dos dois lados do conflito agrário, o que poderá gerar um espiral de violência difícil de ser quebrado.
Da parte dos sem-terra, pelos motivos já aludidos: como eles acreditam que, só mediante a pressão das invasões, o governo anda e como as áreas improdutivas serão ampliadas, crescerão as ocupações. Quanto aos empresários rurais, os que passarem à condição de donos de latifúndios improdutivos reagirão, mobilizando-se. Os demais porão as barbas de molho, pois o ocorrido com o vizinho hoje pode ser o seu futuro amanhã, reforçando o sentimento de insegurança geral. É esperar prá ver.
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