segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Faz quase 60 dias que o Brasil está com cara de Venezuela.


Foi só uma decisão judicial sobre um caso que corre em segredo de Justiça, mentem os cínicos, endossam os crápulas e concordam os cretinos. ”Não acho que seja censura”, fantasia, por exemplo, o ministro Tarso Genro, depois de contemplar de novo a mordaça imposta ao Estadão desde 30 de junho pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. ”Na verdade, o que está sendo obstado ali seria, segundo o despacho, a divulgação de fatos que podem ser inverídicos”.

Tarso Genro não conseguiu enxergar nenhum atentado à liberdade de informação, nenhuma agressão à democracia. ”Portanto, não é uma censura à imprensa, embora em relação à imprensa, em particular, possa parecer como tal”, ensina o teórico de festa de batizado. Faz sentido: ele também acha que terrorista não é terrorista, e que ladrão só é ladrão se não for companheiro. O problema é que o ministro, neste episódio, vocaliza a opinião do governo.

Para quem conta o caso como o caso foi, onde Tarso viu um ”despacho” houve, isto sim, um ato criminoso tramado pela família Sarney e consumado por um juiz que, por dever-lhe o emprego no Judiciário, deve obediência ao patriarca em apuros. Dácio não agiu por respeitar o segredo de Justiça, mas para respeitar a vontade do patrão inquieto com a procissão de casos de polícia que não parava de passar nas páginas do Estadão.

Em 3 de agosto, o desembargador Waldir Leôncio Cordeiro Lopes Júnior rejeitou o recurso apresentado pelo jornal. ”Malgrado o inconformismo do impetrante com a decisão judicial impugnada”, declamou o doutor, ”está sendo observado o devido processo de direito. O rito do mandado de segurança é célere. Por isso, é mais prudente que se aguarde para deferir ou não a providência requerida no momento do julgamento do writ (mandado), quando a questão estará madura”.

Conversa fiada em juridiquês castiço, poderia ter replicado o autor do recurso, Manuel Alceu Affonso Ferreira. ”Há prudências que são prudentes demais”, preferiu cutucar com elegância o advogado do Estadão. Na semana passada, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF enfim afastou Dácio Vieira do processo. Por ter criticado publicamente o jornal, por conviver fraternalmente com os prontuários ambulantes envolvidos na história, o juiz-censor foi considerado suspeito. Se é assim, o que decidiu não pode valer, certo? A jurisprudência e a sensatez afirmam que sim. O tribunal resolveu que não ─ e a censura continuou em vigor.

O desembargador incumbido de tocar o caso não tem pressa. O Supremo Tribunal Federal finge que jamais interferiu em questões sob julgamento nas instâncias inferiores. O Conselho Nacional de Justiça faz de conta que não sabe de nada. Os pelegos dos sindicatos e federações, os jornalistas alugados e os voluntários de Lula endossam a violência por ação ou omissão. O presidente da República, que dá palpite até na escalação do Corinthians, não tem nada a dizer. Só registra que a imprensa brasileira é livre demais.

A sordidez vai completar dois meses. Faz quase 60 dias que o Brasil está com cara de Venezuela.


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