RIO - O Conselho Nacional de Justiça, examinando alguns pedidos para que fosse determinada a retirada de objetos religiosos dos recintos do Poder Judiciário, decidiu indeferi-los, atribuindo aos juízes de 1º, 2º, e 3º graus a decisão de manter os crucifixos nas salas de audiência e de tribunais.
De rigor, o crucifixo não representa apenas o reconhecimento da presença de Deus, para os que nele acreditam. Representa, também, para os que não acreditam, a lembrança do mais injusto julgamento da história, inspirando os magistrados a serem justos e defensores do princípio do devido processo legal, com amplo direito à defesa e imparcialidade nos julgamentos.
Não quero, todavia, comentar a decisão do CNJ, mas apenas, na linha de brilhante trabalho que li, do professor William Douglas, lembrar que os que não creem em Deus Criador do Universo substituem-no pelo Deus Estado, como Robespierre pretendeu fazer, ao criar a Deusa Razão, provocando, à época, o maior banho de sangue da história francesa, com julgamentos populares não presididos por magistrados.
O pedido de retirada dos objetos partiu, de rigor, de alguns membros do Ministério Público – tenho conversado com inúmeros integrantes do MP federal e do MP estadual, que não concordam com essa iniciativa – instituição à qual a Constituição brasileira de 88, da mesma forma que a Emenda constitucional (E.C.) nº. 1/69 atribuiu o papel – menos relevante no passado e mais relevante no presente – de guardião da lei e da cidadania. Ora, o perfil constitucional desenhado para o Ministério Público o foi sob “a invocação de Deus”, na E.C. nº 1/69, e “sob a proteção de Deus”, na Constituição de 88. Não deixa, portanto, de ser, no mínimo, curioso que aqueles a quem, sob a proteção de Deus, foram atribuídas as relevantes funções que hoje exercem, na sociedade brasileira, estejam a pleitear a retirada dos símbolos do divino do cenário em que atuam. É como se o Estado estivesse abolindo Deus “sob a proteção de Deus”, já que, no preâmbulo da Constituição, conformadora do Estado brasileiro, lê-se: “Nós, os constituintes, promulgamos esta Constituição, sob a proteção de Deus”.
Tirante as contradições em que incorrem alguns membros do MP, é de se lembrar que a maioria da população brasileira acredita em Deus. Tanto é assim que já houve políticos apontados como vencedores nas pesquisas eleitorais, que perderam as eleições simplesmente por admitirem não acreditar em Deus. Tentar, a flagrante minoria do povo, impor padrões comportamentais à sociedade, a pretexto de o Estado ser laico, é, à evidência, pretender exercer a ditadura da minoria.
Não é de se esquecer que o próprio conceito de Estado laico exterioriza conceito de liberdade para que as pessoas tenham suas convicções e respeitem as convicções dos outros. Eliminar a tradição de manter crucifixos nas repartições públicas – que reflete o sentimento da maioria da população – sob a alegação de que o Estado laico não permite manifestações religiosas, é, de rigor, uma forma de externar a intolerância religiosa, como se tradicionais manifestações públicas de religiosidade e de respeito ao Deus do Universo fossem ofensivas ao “Deus-Estado”, merecedor de culto exclusivo. Vale a pena, sobre a matéria, ler o diálogo Sobre o livre arbítrio de Agostinho.
Decididamente, até em respeito ao que consta do prólogo da Constituição, promulgada “sob a proteção de Deus” – como salientou o CNJ, em sua decisão – é de rigor que continuemos vivendo num Estado que preserva suas tradições e assegura a liberdade das pessoas de acreditarem ou não em Deus.
Jornal do Brasil - 13/08/2009
*Professor de direito e escritor
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