Se há uma atividade verdadeiramente sul-americana, integrada em toda a cadeia produtiva, é o negócio da droga, um triunfo do empreendedorismo do mal.
Começa na agricultura, com as plantações da folha de coca e de maconha, espalhadas por vários países. Segue-se a fase da industrialização, química fina, com laboratórios na Colômbia, na Bolívia, no Equador, no Peru e no Brasil.
Trata-se de produção igualmente integrada, da pasta ao pó.
Tudo pronto, passa-se para a distribuição no atacado, inclusive para exportação (boa parte feita pelos aeroportos brasileiros), e no varejo, aos consumidores de toda a América do Sul, da cocaína dos ricos ao crack dos pobres. Há oferta para todas as demandas.
No meio disso tudo, ocorre uma operação financeira, que vai desde o financiamento dos agricultores até a lavagem do dinheiro obtido com a venda final do produto.
Finalmente, há o aparato de segurança, com homens e armas que estão nas Farc no interior da Colômbia e em "santuários" na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Trata-se de um problema complexo, porque esse narcotráfico tem o apoio de uma organização militar, um quase exército travestido de força política. Mas os homens do tráfico estão também no Rio de Janeiro e em várias outras cidades brasileiras.
Incluem-se aí os advogados e os agentes da corrupção.
Qual o grau de integração dos governos no combate a essa complexa operação Farc-narcotráfico? Perto de zero.
Resulta óbvio: essa deveria ser uma das principais preocupações da Unasul, a união dos países da América do Sul. Mas como fazer isso se a entidade é ora presidida por Rafael Correa, presidente do Equador e simpatizante das Farc, para quem a maior ameaça à região é meia dúzia de militares americanos baseados na Colômbia.
Todo mundo por aqui criticou os governos da Colômbia e dos EUA por terem assinado um acordo militar que amplia a presença americana em bases colombianas, com o objetivo de apoiar o combate às Farc e ao narcotráfico.
Eles deveriam ter conversado antes com os vizinhos, é o que se diz.
Mas, convenhamos: como seria possível conversar com Chávez, Correa e Morales se estes acham que a ameaça maior é o imperialismo americano e não o narcotráfico? Ok, daria para conversar com Lula, Bachelet e García (do Peru), por exemplo, e Uribe deveria ter feito isso.
Mas até dá para entender sua hesitação.
Não são poucos aqueles que, no governo brasileiro, acreditam que Chávez está certo. Além disso, quando a Venezuela recebeu a visita de aviões e navios russos, ninguém falou nada. Idem quando Chávez anunciou, na semana passada, que estava comprando tanques russos.
Finalmente, na última terça-feira, em Moscou, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, disse que seu país estava pronto para estudar novas propostas de cooperação militar com a Venezuela.
De novo, nenhum governante por aqui exigiu consultas prévias de venezuelanos, muito menos dos russos.
Em resumo, todos aqui se queixaram do presidente colombiano, Uribe, mas ninguém lhe ofereceu colaboração para combater o conjunto Farc-narcotráfico, que, além de tudo, não é um problema dele, mas de toda a América do Sul.
Não poderia haver equívoco mais completo.
Negócios anti-EUA No meio da confusão, Chávez mandou cancelar a importação de dez mil carros da Colômbia. A presidente Cristina apressou-se a dizer que tinha os dez mil automóveis e correu para Caracas com um grupo de empresários prontos para substituir os "colegas" colombianos.
Empresários brasileiros também mostraram esse interesse.
Pois deveriam pensar duas vezes.
Assim como embarga os negócios colombianos, Chávez pode fazer a mesma coisa, a qualquer momento, com os outros. Empresas argentinas já foram estatizadas na Venezuela.
Empresas brasileiras, não, mas já tiveram que engolir modificações em contratos, como a própria Petrobras.
Por outro lado, há muitas empresas brasileiras com negócios na Venezuela, mas com financiamento brasileiro. Aí, tudo bem, o risco é do governo, ou seja, é dinheiro do contribuinte...
Carlos Alberto Sardemberg
Vindo de "O Globo", bom texto!
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